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ao próprio fiiho, pretender que, para efeitos tributários, a operação deve ser<br />

considerada como doação, sob o pretexto de que o pai é idoso e enfermo, e o<br />

fiiho é herdeiro necessário do preço de venda. Nem pode a fiscalização do<br />

imposto de renda, caso o pai doe o imóvel ao fiiho, que, posteriormente, venha<br />

a aliená-lo, sustentar que o pai é que vendeu o imóvel, doando o produto da<br />

venda ao fiiho (a pretexto de que essa situação possa ser, fiscalmeiite, mais<br />

onerosa, sob o ângulo da legislação do imposto de renda), alegando que, economicamente,<br />

as duas situações se equivalham, Inversamente, se não houver incidência<br />

do imposto de renda na sucessão causa mortis, também não pode o<br />

indivíduo que tenha vendido imóvel ao fiiho pretender a não-incidência do<br />

tributo, a pretexto de que, sendo o fiiho herdeiro necessário, a operação deveria,<br />

fiscalmente, ter o tratamento de uma sucessão causa mortis3'.<br />

Em suma, a consideração do conteúdo econômico subjacente não<br />

permite transfigurar o negócio jurídico privado. Caso contrário, seria letra<br />

morta a solene afirmação contida no artigo comentado, em sua primeira<br />

parte, já que o intérprete, embora obrigado a pesquisar a definição, o<br />

conteúdo e o alcance ditados pelo <strong>direito</strong> privado, não estaria obrigado a<br />

respeitar o resultado de sua pesquisa, que, nessa perspectiva, teria sido<br />

feita por mero deleite.<br />

A compra e venda, a locação, o comodato, dentre inúmeros outros institutos,<br />

estruturados no <strong>direito</strong> privado e recepcionados pelo <strong>direito</strong> tributário, devem<br />

ser valorizados tal qual foram estruturados no <strong>direito</strong> privado, não podendo<br />

ser interpretados, para efeitos tributários, com abstração da roupagem jundico-formal<br />

que os reveste, e com a atenção desviada para os aspectos econôrnicos<br />

subjacentes ao negócio jurídico-formal que as partes utilizaram.<br />

Ademais, se o intérprete pudesse pesquisar o conteúdo econômico deste<br />

ou daquele negócio, para, à vista de sua similitude com o conteúdo econô-<br />

38. A Lei n. 9.532197 criou incidência do imposto de renda sobre a mais-valia<br />

realizada na doação em adiantamento de legítima e na sucessão causa mortis. Na legislação<br />

anterior, era possível, por exemplo, ao pai doar ao filho um imóvel no valor de 1.000<br />

(que lhe houvesse custado 200) sem incidência do imposto de renda, podendo o filho,<br />

após a doação, alienar o imóvel pelo valor de 1.000, igualmente sem esse tributo. Na nova<br />

lei, o ganho de capital é tributado ou por ocasião da doação (se, nesta, for atribuído o valor<br />

de 1.000) ou na posterior alienação (se a doação for feita pelo valor de custo). Esse é mais<br />

um exemplo da prática de nossa legislação no sentido de eliminar situações de economia<br />

fiscal através da introdução de preceitos impositivos e não pela via da "interpretação". A<br />

propósito da referida inovação da lei do imposto de renda, cf. Luciano Amaro, O imposto<br />

de renda nas doações, heranças e legados, in Imposto de renda: alterações fundamentais,<br />

v. 2, p. 105 e S.<br />

I<br />

mico de outro negócio, estender para o primeiro a regra de incidência do<br />

segundo, o fato gerador do tributo deixaria de corresponder à previsão legal<br />

abstrata (princípio da reserva de lei); o campo estaria aberto para a criação<br />

de tributo por analogia Cjá que a "razão econômica" seria a mesma nas duas<br />

hipóteses), assim como para a aplicação de isenção por analogia (sempre a<br />

pretexto de que, onde o conteúdo econômico fosse o mesmo, a norma a<br />

aplicar seria também a mesma).<br />

A interpretação do art. 109 do Código Tributário Nacional não se pode<br />

fazer contra a própria letra do dispositivo e com sacrifício do princípio da legalidade,<br />

do princípio da segurança e certeza do <strong>direito</strong> aplicável, e, ainda, em<br />

contradição com os preceitos do próprio Código, que proclamam (como desdobramentos<br />

daqueles princípios) a v<strong>ed</strong>ação da tributação e da isenção por analogia.<br />

Ora, tributar a situação "b", a pretexto de que ela revela a mesma capacidade<br />

contributiva de "a", é tributar por analogia, o que é expressamente proibido<br />

pelo art. 108,s 1" do Código Tributário Nacional. Se o legislador quiser atingir<br />

ambas as situações, repita-se, basta fazê-lo de modo expresso.<br />

9. ABUSO DE FORMA, ABUSO DE DIREITO E SIMULAÇÃO<br />

Temas conexos com a chamada interpretação econômica do <strong>direito</strong><br />

tributário, que, como acima registramos, Johnson Barbosa Nogueira identifica<br />

entre as "vertentes" dessa postura exegética, são os ligados ao<br />

questionamento do abuso de forma ou abuso de <strong>direito</strong> e da simulação, que<br />

traduziriam formas de evasão (ou evasão ilícita) de tributo, por oposição à<br />

economia de tributo (ou evasão lícita ou elisão). Trata-se de atitudes<br />

interpretativas menos radicais, comparadas com a consideração econômica<br />

na sua formulação mais rigorosa (segundo a qual o intérprete deveria sempre<br />

desprezar a instrumentação jurídica dos negócios e buscar seu conteúdo<br />

econômico, para, à vista deste, aplicar o tributo).<br />

A questão, neste passo, não se limita a uma análise objetiva do <strong>direito</strong><br />

positivo (no sentido de extremar as situações tributadas e as não tributadas),<br />

vai além, procurando definir como a legislação deve ser interpretada (vale<br />

dizer, como se deve delimitar sua extensão contenutística) diante de certos<br />

comportamentos do indivíduo, que, em geral de modo voluntário, procura<br />

estrutura seus negócios e suas atividades seguindo caminhos que se revelam<br />

fiscalmente menos onerosos.<br />

Os autores aceitam que o indivíduo possa escolher, entre dois caminhos<br />

lícitos, aquele que fiscalmente seja menos oneroso. Os limites da legalidade<br />

circundam, obviamente, o território em que a busca de determina-

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