12.04.2017 Views

luciano-amaro-direito-tributario-brasileiro-12c2aa-ed-2006

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

correntes do negócio realmente realizado, no lugar daqueles que seriam produzidos<br />

pelo negócio retratado na forma simulada pelas partes. Se, por exemplo,<br />

as partes simularam uma doação quando, na verdade, houve compra e venda, o<br />

Fisco tem o <strong>direito</strong> de, apurando que ocorreu pagamento de preço, de modo<br />

disfarçado, dar ao caso o tratamento tributário de compra e venda, e não o que<br />

corresponderia ao negócio simulado (doação). Se "A" formalizar a doação de<br />

um bem para "B", e "B" formalizar a "doação" de uma quantia em dinheiro<br />

para "A", em operações "casadas", o fato assim instrumentado é uma compra e<br />

venda, pois as "doações" estarão viciadas por simulaçãos7.<br />

Johnson Barbosa Nogueira refuta a necessidade de invocar a simulação<br />

para desqualificar a forma jurídica, sob o argumento de que, com isso,<br />

o intérprete continua com o problema de identificar a forma jurídica adequada,<br />

e acrescenta que a simulação diz respeito ao ato jurídico viciado,<br />

enquanto "certas formas abusivas só são percebidas ao longo de uma série<br />

de atos"48. A crítica, a nosso ver, não proc<strong>ed</strong>e. Em primeiro lugar, se o problema<br />

do intérprete é o mesmo, diante da constatação de "abuso de forma"<br />

ou de forma simulada, a opção por uma ou outra postura seria indiferente;<br />

se o apelo a teoria da simulação é censurável, idêntica crítica caberia à invocação<br />

da teoria do abuso de forma, já que ambas poriam o intérprete diante<br />

de igual dificuldade. Em segundo lugar, se o vício se evidencia numa série<br />

de atos (finalisticamente unificados), a simulação não é deste ou daquele<br />

ato, mas de todos. Por fim, se o ordenamento jurídico consagra a teoria da<br />

simulação (CCl2002, art. 167, $ I"), é desnecessário o esforço do intérprete<br />

na tentativa de sustentar a teoria do abuso de forma, viciada por ilogicidade<br />

congénita, já que parte da premissa de que o indivíduo teria usado ilicitamente<br />

uma forma jurídica (portanto, uma forma lícita)49.<br />

Saber se, em determinada situação, ocorreu evasão ou elisão depende,<br />

em suma, do exame das circunstâncias do caso. Nessa linha insere-se a<br />

lição de Rubens Gomes de Sousa, secundado por Alfr<strong>ed</strong>o Augusto Becker<br />

no fundo a teoria do abuso das formas propõe é uma falsa opção entre forma jundica e<br />

substância econômica, quando se trat? de uma alternativa autêntica entre forma JURIDICA<br />

aparente (ou simulada) e forma JURIDICA rear' (Elisão, cit., p. 116 e 117). Na Argentina,<br />

Hector Villegas apresenta, como casos de interpretação econômica na jurisprudência, hipóteses<br />

de simulação, como, por exemplo, doação encoberta por compra e venda, pagamentos<br />

a dependentes sob o rótulo de honorários etc. (Curso, cit., p. 74-5).<br />

47. Alberto Xavier sustentou que o Fisco precisa demandar judicialmente a anulação<br />

do ato simulado para que possa lançar o tributo que incidiria sobre o negócio real (Notas<br />

sobre o problema das nulidades no <strong>direito</strong> tributário. RDT, n. 2, p. 230 e S.).<br />

48. A interpretação, cit., p. 118-21.<br />

49. Antônio Roberto Sampaio Dória, Elisão, cit., p. 116.<br />

e Gilberto de Ulhôa Canto, entre outros, para distinguir, concretamente, os<br />

casos de economia legal de imposto e de evasão fraudulenta. Segundo ele,<br />

deve-se verificar se o indivíduo evitou a ocorrência do fato gerador (com o<br />

uso dos meios formais que tenha engendrado) ou se ocultou (disfarçou, mascarou)<br />

o fato (gerador) efetivamente ocorrido, m<strong>ed</strong>iante o emprego de certos<br />

instrumentos formais que não retratem os fatos reais. No primeiro caso,<br />

ter-se-ia a economia lícita de tributo; no segundo, a evasão fraudulenta50.<br />

Não é preciso, por conseguinte (para haver evasão lícita de imposto)<br />

que os fatos ocorram naturalmente, de acordo com a "ordem natural das<br />

coisas". É legítima a eleiçãopropositada de formas jurídicas (lícitas, obviamente)<br />

que resultem ou possam resultar em menor incidência tributária. Se,<br />

por exemplo, a lei tributar a transmissão causa mortis de imóveis, e não<br />

gravar a de móveis, nada imp<strong>ed</strong>e que uma pessoa (ainda que de idade avançada)<br />

confira imóveis na integralização de capital de uma soci<strong>ed</strong>ade, tendo<br />

em vista que, na sucessão, serão transmitidos os <strong>direito</strong>s de sócio (não<br />

tributáveis), em vez dos imóveis (que seriam tributáveis).<br />

Noutras palavras, não configura prática ilegítima aquilo que se costuma<br />

denominar planejamento tributário. Ives Gandra da Silva Martins, além<br />

de endossar a licitude do planejamento tributário, procura justificá-lo. numa<br />

visão axiológica, como uma reação do indivíduo diante da excessiva carga<br />

tributária e da "injustiça intrínseca" que esta acarreta5'.<br />

Numa empresa, aliás, ter em mente o objetivo de economizar impostos<br />

é obrigação do administrador, a quem incumbe zelar pela preservação do<br />

patrimônio da soci<strong>ed</strong>ade. O planejamento tributário insere-se - consoante<br />

já escrevemos alhures - na temática mais ampla do planejamento empresarial"<br />

e envolve projetos que podem ultrapassar as fronteiras nacionais5'.<br />

50. Rubens Gomes de Sousa, Compêndio, cit., p. 138; Alfr<strong>ed</strong>o Augusto Becker,<br />

Teoria, cit., p. 123-4; Gilberto de Ulhôa Canto cita outros autores (Elisão e evasão fiscal,<br />

Caderno de Pesiluisas Tributárias, n. 13, p. 42 e S.).<br />

51. Elisão .... Caderno de Pesquisas Tributárias, n. 13, p. 119-20.<br />

52. "No planejamento empresarial, inúmeras decisões precisam ser tomadas com<br />

vistas a realização do lucro. objetivo precípuo da empresa. A escolha do setor, do produto,<br />

da matéria-prima, do fornec<strong>ed</strong>or, da região; a opção pela verticalização ou pela<br />

horizontalização da produção; a definição do mercado visado: local, regional, nacional,<br />

internacional; a escolha do público-alvo, da mídia; as decisões sobre o financiamento da<br />

planta industrial e da produção: com capital de risco ou de empréstimo; a opção por esta ou<br />

aquela forma societária - essas, entre outras inúmeras decisões, precisam ser tomadas pelo<br />

empresário. Nesse amplo contexto, a tributação exerce um papel importantíssimo'.' (Luciano<br />

Amaro, Planejamento tributário e evasão, in Planejarnentojscal: teoria e prática, p. 115-6).<br />

53. V., sobre o tema, o livro de Heleno Tôrres, Direito tributário internacional, cit.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!