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luciano-amaro-direito-tributario-brasileiro-12c2aa-ed-2006

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O que se permite a autoridade fiscal nada mais é do que, ao identificar<br />

a desconformidade entre os atos ou negócios efetivamente praticados (situação<br />

jurídica real) e os atos ou negócios retratados formalmente (situação<br />

jurídica aparente), desconsiderar a aparência em prol da realidade.<br />

Com efeito, o preceito legal parte do pressuposto de que o fato gerador<br />

tenha efetivamente ocorrido, dado que, só nessa hipótese, pode-se cogitar<br />

da possibilidade de ele ter sido objeto de práticas dissimulatónas. Assim, a<br />

demonstração concreta da dissimulação (com a conseqüente possibilidade de o<br />

ato dissimulador ser desconsiderado) pressupõe que o fato gerador tenha<br />

ocorrido. É preciso ser demonstrado que a forma aparente dada à operação<br />

não condiz com o fato efetivamente ocomdo. Se a forma (aparência) retratar<br />

o que efetivamente foi querido, buscado pelo indivíduo (realidade), nenhuma<br />

desconformidade existe que autorize a desconsideração dos atos foimalizados,<br />

dado que eles nada terão dissimulado; pelo contrário, terão refletido<br />

no papel aquilo que o indivíduo realmente objetivou na realidade.<br />

Noutras palavras, nada mais fez o legislador do que explicitar o poder<br />

da autoridade fiscal de identificar situações em que, para fugir do pagamento<br />

do tributo, o indivíduo apela para a simulação de uma situação jurídica (não<br />

tributável ou com tributação menos onerosa), ocultando (dissimulando) a<br />

verdadeira situação jurídica (tributável ou com tributação mais onerosa).<br />

Não se argumente que dissimulação é diferente de simulação; e, por<br />

isso, o legislador talvez tenha querido dizer algo mais. Quando se fala em<br />

simulação, refere-se, como objeto dessa ação (de dissimular), uma situação<br />

de não-incidência. Já ao falar em dissimulação, ao contrário, a referência<br />

objetiva é a uma situação de incidência. Dissimula-se o positivo (ocorrência<br />

do fato gerador), simulando-se o negativo (não-ocorrência do fato gerador).<br />

Como o legislador se referiu ao objeto fato gerador, o verbo para designar<br />

a ação desenvolvida sobre esse objeto só poderia ser dissimular. Seria um<br />

dislate supor que alguém fosse simular a ocorrência do fato gerador ...<br />

O dispositivo insere-se em antiga discussão sobre se a autoridade fiscal<br />

poderia, ao identificar uma situação de simulação, ignorar o negócio<br />

aparente sem antes demandar sua nulidade ou sua inoponibilidade ao Fisco.<br />

O que a lei complementar diz é que a autoridade tem a prerrogativa de<br />

desconsiderar os atos simulados (m<strong>ed</strong>iante os quais se dissimulou o fato gerador),<br />

ob<strong>ed</strong>ecidos os proc<strong>ed</strong>imentos a serem definidos por lei ordinária5'.<br />

57. Cesar A. Guimarães Pereira entende que o parágrafo único do art. 1 16 do Código<br />

reforça a previsão do art. 149, VII, que prevê a competência da autoridade administra-<br />

Os proc<strong>ed</strong>imentos previstos no art. 116, parágrafo único, do Código<br />

Tributário Nacional, a serem seguidos pela autoridade administrativa na aplicação<br />

da norma ali contida, foram objeto dos arts. 15 a 19 da M<strong>ed</strong>ida Provisória<br />

n. 6612002, em cujo processo de conversão (na Lei n. 10.63712002) se suprimiram<br />

referidos artigos. A mesma m<strong>ed</strong>ida, que, no art. 13, repetia o preceito<br />

do Código, ultrapassava, no art. 14, os limites ínsitos às normasproc<strong>ed</strong>imentais,<br />

ao pretender inovar a definição de hipoteses a que se aplicariam os proc<strong>ed</strong>imentos<br />

por ela disciplinados, com um rol exemplificativo de situações que,<br />

"entre outras", estariam sujeitas a essa disciplina adjetiva. O dispositivo, em<br />

poucas palavras, atropelava a Constituição e o Código Tributário Nacional.<br />

A doutrina da desconsideração da pessoa jurídica (disregard of legal<br />

entih)), nascida a partir da jurisprudência anglo-americana e desenvolvida<br />

teoricamente na Alemanha, de onde chamou a atenção dos juristas da Europa,<br />

aportou no Brasil, como tema de indagação teórica, em 1969j8, e desde<br />

então tem sido objeto de vários estudos em nosso país, inclusive no campo<br />

do <strong>direito</strong> trib~tário'~.<br />

Pretende tal doutrina que, em determinadas situações, em que a pessoa<br />

jurídica seja utilizada como simples "instrumento de fraude ou abuso",<br />

ela deve ser desconsiderada, imputando-se o ato praticado aos sócios da<br />

pessoa jurídica.<br />

Uma questão básica está em saber se essa doutrina pode ser aplicada<br />

nos países de <strong>direito</strong> escrito, uma vez que seu nascimento se deu em sistemas<br />

de <strong>direito</strong> cons~etudinário~~. Mas o problema, mais específico, que de<br />

perto nos interessa está em saber se é possível aplicar a desconsideração da<br />

pessoa jurídica no âmbito do <strong>direito</strong> tributário, a vista do princípio da estrita<br />

legalidade do tributo.<br />

tiva para lançar quando for comprovada a prática de simulação, submetendo-a, porém, ao<br />

proc<strong>ed</strong>imento a ser regulado por lei ordinária (Elisão tributária, cit., p. 225).<br />

58. Rubens Re~uião,Abuso de <strong>direito</strong> e fraude através da personalidade jurídica, RT,<br />

n. 410, p. 12-24.<br />

59. V, especialmente, J. Lamartine Corrêa de Oliveira, A dupla crise da pessoa jiirídira;<br />

Marçal Justen Filho, Desconsideraçáo da personalidade societária no <strong>direito</strong> <strong>brasileiro</strong>.<br />

Extensa bibliografia é referida por Gilberto de Ulhôa Canto, que questiona a aplicação<br />

da teoria no <strong>direito</strong> <strong>brasileiro</strong> e entende que ela é inaplicável no nosso <strong>direito</strong> tributário<br />

(Elisão..., Caderno de Pesquisas Tributárias, n. 13, p. 50-96).<br />

60. Não obstante, no <strong>direito</strong> <strong>brasileiro</strong>, vários microssistemas legais adotaram expressamente<br />

a técnica da desconsideração, que logrou previsão no próprio Código Civil<br />

(art. 50) (Luciano Amaro, Desconsideração da pessoa jundica para fins fiscais, in Tributação,<br />

justiça e liberdade, p. 371).

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