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durante largo espaço de tempo, sem exercitar seus <strong>direito</strong>s. Por isso, esgotado<br />

certo prazo, assinalado em lei, prestigiam-se a certeza e a segurança, e<br />

sacrifica-se o eventual <strong>direito</strong> daquele que se manteve inativo no que respeita<br />

à atuação ou defesa desse <strong>direito</strong>. Dizemos eventual porque esse <strong>direito</strong><br />

pode inexistir, por diversas razões. Pode, por exemplo, já ter sido ele<br />

satisfeito pelo dev<strong>ed</strong>or; se cobrado novamente, após decorrido o prazo legal,<br />

o dev<strong>ed</strong>or pode invocar o exaurimento do prazo para a cobrança, o que<br />

o ilesobriga de ficar permanentemente apetrechado para defender-se na eventualidade<br />

de o cr<strong>ed</strong>or resolver cobrá-lo. Papéis perdem-se ou destroem-se<br />

com o passar do tempo. O tempo apaga a memória dos fatos, e, inexoravelmente,<br />

elimina as testemunhas. Decorrido certo prazo, portanto, as<br />

relações jurídicas devem estabilizar-se, superados eventuais vícios que pudessem<br />

ter sido invocados, mas que não o foram, no tempo legalmente<br />

assinalado, e desprezado o eventual desrespeito de <strong>direito</strong>s, que terá gerado<br />

uma pretensão fenecida por falta de exercício tempestivo.<br />

Referimo-nos aos institutos da decadência e daprescrição, largamente<br />

aplicados no <strong>direito</strong> privado e no <strong>direito</strong> público. A decadência e a prescrição<br />

têm em comum a circunstância de ambas operarem à vista da conjugação<br />

de dois fatores: o decurso do tempo e a inércia do titular do <strong>direito</strong>.<br />

6.1. Os prazos extintivos no Código Civil de 191 6<br />

Não obstante a doutrina e a jurisprudência se tenham esmerado em<br />

distinguir, no velho Código Civil, os prazos de prescrição e de decadência,<br />

esse diploma, como se sabe, não falava em decadência, limitando-se<br />

ao emprego do vocábulo "prescrição". Com efeito, nos arts. 161 a 179,<br />

cuidava da prescrição de ações, que ora são utilizáveis para a reparação<br />

de <strong>direito</strong>s violados (por exemplo, ações para cobrar um crédito não satisfeito<br />

no seu vencimento), ora constituem o próprio instrumento de atuação<br />

do <strong>direito</strong> (por exemplo, ação para anulação de casamento). Embora<br />

disciplinasse a prescrição de ações (nos arts. 177 e 178), o Código Civil<br />

por vezes falava, elipticamente, em prescrição de <strong>direito</strong>s (arts. 166, 167<br />

e 174, I), querendo referir-se, certamente, às ações utilizáveis para fazer<br />

valer os <strong>direito</strong>s ali mencionados.<br />

O velho diploma admitia a renúncia da prescrição, expressa ou tácita,<br />

desde que feita após ter-se ela consumado e desde que não prejudicasse terceiro<br />

(art. 16 1 ). Reconhecia que a prescrição podia ser alegada em qualquer instância<br />

pela parte a quem aproveitasse (art. 162) e v<strong>ed</strong>ava ao juiz proclamar de<br />

ofício a prescrição, quando se tratasse de <strong>direito</strong>s patrimoniais (art. 165).<br />

Da conjugação desses dispositivos (especialmente o art. 161 e o art.<br />

165) inferiam-se algumas conclusões importantes para a identificação de<br />

diferenças de tratamento entre as diversas hipóteses genericamente rotuladas<br />

como prescrição pelo Código de 1916. Se a prescrição era renunciável<br />

(art. 161), ela não podia ser reconhecida de ofício pelo juiz. Mas se o juiz<br />

podia conhecer da prescrição, mesmo quando não alegada pelas partes! nas<br />

hipóteses de <strong>direito</strong>s não patrimoniais (art. 166, a contrario sensu), concluia-se<br />

que, nessas situações, a prescrição não era renunciável, pois, mesmo<br />

no silêncio da parte a quem sua alegação aproveitaria (o que traduziria<br />

forma tácita de renúncia), ela seria decretada pelo juiz.<br />

Havia, pois, na sistemática do velho Código Civil, "prescrições" r-eríunciáveis<br />

e não renunciáveis, "prescrições" recorzheciveis de ofício e só<br />

recorzhrcíveis se alegndas pela parte a quem aproveitassem. Disso decorreria,<br />

por inferência lógica, que as "prescrições" irrenunciáveis não poderiam<br />

ser prorrogadas por ato das partes que pudesse operar a intemipção ou a<br />

suspensão do prazo (dado o princípio de que sobre tais "prescrições" não<br />

poderia atuar a vontade das partes), qualificando-se, pois, como fatais ou<br />

irr~prorr-ogcíveis. Ainda como decorrência dos mesmos enunciados. as "prescrições"<br />

irrenunciáveis atenderiam a normas de ordem pública (inderrogáveis<br />

pela vontade das partes, por se reportarem a interesses da coletividade),<br />

ao contrário das "prescrições" renunciáveis, que, referindo-se a <strong>direito</strong>s<br />

patrimoniais das partes, ficariam restritas à esfera de interesses dos indivíduos<br />

envolvidos na relação jurídica, sem interesse imeaiato da coletividade.<br />

Noutras palavras, se se cuidasse de <strong>direito</strong>s disporiíveis por vontade<br />

das partes, o prazo não seria de ordem pública, nem fatal.<br />

Isso demonstra que aquele estatuto civil se preocupou com a natureza<br />

do <strong>direito</strong> em relação ao qual pudesse atuar a "prescrição", para diferenciar o<br />

regime jurídico aplicável. Assim, a "prescrição" das ações atinentes a certos<br />

<strong>direito</strong>s estaria submetida a determinado regime jurídico (renunciabilidade,<br />

impossibilidade de reconhecimento de ofício etc.), ao passo que a<br />

"prescrição" de ações atinentes a <strong>direito</strong>s de outra específica natureza já se<br />

submeteria a diferente regime jurídico (irrenunciabilidade, decretabilidade<br />

de ofício etc.).<br />

É certo que o Código antigo teria facilitado o trabalho da doutrina<br />

(e da jurisprudência) se tivesse dado a cada grupo de <strong>direito</strong>s (suscetíveis<br />

de ser afetados pelo decurso do prazo aliado à inação do titular)<br />

uma denominaçãc-> especl'fica que permitisse distinguir - já no rótulo<br />

- cada um deles. Essa tarefa ficou para a doutrina, que se debateu na<br />

busca do critério "verdadeiro" ou "científico", ou "definitivo", para se-

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