Parentesco e aliança entre os Kalapalo do Alto Xingu - Comunidade ...
Parentesco e aliança entre os Kalapalo do Alto Xingu - Comunidade ...
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ininteligíveis a<strong>os</strong> n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> olh<strong>os</strong>, e muitas relações “de parentesco”, mas que se fundam em<br />
relações sociopolíticas, poderiam parecer relações de “não-parentesco”, obscurecen<strong>do</strong> a<br />
análise <strong>do</strong> sistema de <strong>aliança</strong>. Desta forma, vê-se que é imp<strong>os</strong>sível tratar o parentesco<br />
kalapalo sem tratar das relações sociopolíticas em geral, pois ela está longe de ser apenas uma<br />
realidade separada <strong>do</strong> parentesco suscetível de exercer sobre ele alguma influência (como<br />
parece ser a perspectiva de Basso), sen<strong>do</strong> mesmo um elemento fundamental da estrutura <strong>do</strong><br />
parentesco. Por conta disso, a noção de “complexidade” que vinha sen<strong>do</strong> aplicada ao sistema<br />
kalapalo até agora (referin<strong>do</strong>-se apenas à fórmula iroquesa de transmissão da afinidade<br />
virtual) deverá ser expandida, remeten<strong>do</strong> de volta ao senti<strong>do</strong> original conferi<strong>do</strong> por Lévi-<br />
Strauss: o sistema kalapalo de <strong>aliança</strong> é “complexo” por depender de fatores “exteriores” ao<br />
parentesco para se estruturar e funcionar, permitin<strong>do</strong> uma grande expansão das p<strong>os</strong>sibilidades<br />
matrimoniais de cada indivíduo. O conteú<strong>do</strong> das relações pessoais e a estrutura política<br />
hierárquica <strong>do</strong> <strong>Alto</strong> <strong>Xingu</strong> são fundamentais para explicar grande parte das classificações de<br />
parentesco que delimitam as p<strong>os</strong>sibilidades matrimoniais das pessoas dentro e fora de cada<br />
aldeia, sen<strong>do</strong> element<strong>os</strong> estruturais importantíssim<strong>os</strong> <strong>do</strong> sistema de <strong>aliança</strong>.<br />
Somada a isto está uma tendência d<strong>os</strong> <strong>Kalapalo</strong> a preferirem o casamento com a prima<br />
cruzada matrilateral e interpretarem seus casament<strong>os</strong> como matrilaterais, mesmo quan<strong>do</strong> não<br />
o são (ou não parecem ser <strong>do</strong> ponto de vista da análise genealógica). Chega mesmo a haver<br />
uma hierarquia <strong>entre</strong> <strong>os</strong> cálcul<strong>os</strong> uterin<strong>os</strong> e patern<strong>os</strong> das relações de parentesco, segun<strong>do</strong> a<br />
qual <strong>do</strong>is indivídu<strong>os</strong> aparentad<strong>os</strong> simultaneamente pela linha paterna e pela linha materna<br />
utilizam <strong>entre</strong> si <strong>os</strong> term<strong>os</strong> de referência e <strong>os</strong> vocativ<strong>os</strong> adequad<strong>os</strong> ao cálculo das relações<br />
realiza<strong>do</strong> pela linha uterina 103 .<br />
Por causa disso, às vezes fica difícil compreender a lógica por trás de cert<strong>os</strong><br />
casament<strong>os</strong>; esta tarefa se complica ainda mais pelo fato da terminologia de parentesco não<br />
identificar FZH a MB ou FBW a MZ e etc., além de não p<strong>os</strong>suir term<strong>os</strong> específic<strong>os</strong> para FZH<br />
e MBW, sugerin<strong>do</strong> a p<strong>os</strong>sibilidade de incorporação de não-parentes na rede de <strong>aliança</strong>s e a<br />
p<strong>os</strong>sibilidade de se realizar casament<strong>os</strong> assimétric<strong>os</strong> de fato (quan<strong>do</strong> WF = MB e WM ≠ FZ ≠<br />
F♀X). Por conta disso, freqüentemente homens que se casam com suas MBD não podem<br />
assimilá-las simultaneamente à categoria de FZD, de mo<strong>do</strong> que esta preferência pelo<br />
casamento com a prima cruzada matrilateral tem o potencial para produzir um certo<br />
103 Por exemplo, um indivíduo de sexo masculino que se relacione com outro homem que seja simultaneamente<br />
primo cruza<strong>do</strong> de seu pai e de sua mãe se referirá a ele pelo termo awa, MB, e não por apa, FB (que seriam as<br />
duas p<strong>os</strong>sibilidades oferecidas pela terminologia iroquesa).<br />
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