14.04.2013 Views

Parentesco e aliança entre os Kalapalo do Alto Xingu - Comunidade ...

Parentesco e aliança entre os Kalapalo do Alto Xingu - Comunidade ...

Parentesco e aliança entre os Kalapalo do Alto Xingu - Comunidade ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

elações <strong>entre</strong> aqueles que ficaram e aqueles que partiram. Estes continuam sen<strong>do</strong> tratad<strong>os</strong><br />

como “kalapalo”, continuam visitan<strong>do</strong> e sen<strong>do</strong> visitad<strong>os</strong> por parentes de sua aldeia de origem,<br />

e podem inclusive participar e até patrocinar rituais em Aiha ou Tanguro 42 , as “aldeias de<br />

verdade”. Entretanto, há uma ressalva que precisa ser feita: apesar destas pessoas continuarem<br />

sen<strong>do</strong> “kalapalo” a<strong>os</strong> olh<strong>os</strong> da maioria das pessoas, muitas tendem a enfatizar sua ascendência<br />

impura, resultante da “mistura” <strong>entre</strong> pessoas de etnias distintas (<strong>do</strong>nde poderia derivar seu<br />

caráter “duvid<strong>os</strong>o”, razão de seu comportamento sup<strong>os</strong>tamente anti-social e sua expulsão). O<br />

principal chefe de Aiha tem uma visão ainda mais forte da situação, produzin<strong>do</strong> sobre <strong>os</strong><br />

expuls<strong>os</strong> um discurso fortemente hierárquico e etnocêntrico, afirman<strong>do</strong> que as aldeias<br />

formadas por aqueles indivídu<strong>os</strong> não são aldeias kalapalo, mas sim aldeias matipu, nahukwá,<br />

kuikuro, etc. (de acor<strong>do</strong> com a ascendência “impura” d<strong>os</strong> chefes de cada uma), afirman<strong>do</strong> que<br />

como seus chefes “não são kalapalo de verdade, então a aldeia não é kalapalo”.<br />

As acusações de feitiçaria se põem em movimento a partir <strong>do</strong> momento em que uma<br />

determinada coisa foi feita ou dita 43 de mo<strong>do</strong> a indicar inveja ou ciúmes (a antítese <strong>do</strong><br />

comportamento ideal d<strong>os</strong> alto-xinguan<strong>os</strong> e característic<strong>os</strong> d<strong>os</strong> feiticeir<strong>os</strong> – kugihe oto); após a<br />

mudança, <strong>os</strong> acusad<strong>os</strong> continuam sen<strong>do</strong> lembrad<strong>os</strong> como tais no nível da palavra (pois não<br />

são eliminad<strong>os</strong> d<strong>os</strong> circuit<strong>os</strong> sociais/cerimoniais) e tais sentiment<strong>os</strong> e comportament<strong>os</strong> anti-<br />

sociais mantêm-se como marcas de sua personalidade através de apelid<strong>os</strong> e piadas: é por meio<br />

de brincadeiras recorrentes sobre eles que as acusações e a marca de sua família como sen<strong>do</strong><br />

um grupo de feiticeir<strong>os</strong> em potencial (pois se acredita que a feitiçaria seja ensinada de pai<br />

para filho durante o perío<strong>do</strong> de reclusão pubertária) permanecem vivas na memória coletiva.<br />

É muito comum ouvir <strong>os</strong> mora<strong>do</strong>res de Aiha fazen<strong>do</strong> piadas sobre pessoas que já foram<br />

acusadas de feitiçaria, dizen<strong>do</strong> que “são fofoqueir<strong>os</strong>”, “que são mulher”, “que acham que são<br />

caciques”, “que são ariranha 44 ” (animal que tem fama de ser “egoísta” por não dividir a<br />

comida sequer com sua própria cria) e etc. É a forma como as acusações de feitiçaria se<br />

42 Houve duas ocasiões assim no ano de 2007. Um homem expulso por feitiçaria em julho de 2006 foi a Aiha em<br />

junho para sair <strong>do</strong> luto, por causa da morte de sua mãe, que morava lá (e as pessoas só podem sair <strong>do</strong> luto<br />

durante algum grande ritual em uma etu hekugu, “aldeia de verdade”). Algo pareci<strong>do</strong> se deu com outro homem,<br />

expulso por feitiçaria no segun<strong>do</strong> semestre de 2005, que foi um d<strong>os</strong> “coordena<strong>do</strong>res” (ihü, uma das pessoas<br />

responsáveis por coordenar as atividades da festa, sobretu<strong>do</strong> dar instruções a<strong>os</strong> visitantes) da festa takwaga, que<br />

ocorreu em Aiha no dia 15 de julho de 2007.<br />

43 FAVRET-SAADA, 1985.<br />

44 Isto é, estes indivídu<strong>os</strong> se tornam motivo de piada por conta de suas pretensões hierárquicas (julgadas pouco<br />

legítimas por alguns) e por sup<strong>os</strong>tamente representarem a antítese <strong>do</strong> comportamento ideal d<strong>os</strong> verdadeir<strong>os</strong><br />

chefes, a gener<strong>os</strong>idade, evidencian<strong>do</strong> a natureza político-hierárquica d<strong>os</strong> moviment<strong>os</strong> de acusação e expulsão de<br />

“feiticeir<strong>os</strong>”. Desta forma, <strong>os</strong> comentári<strong>os</strong> sobre estes homens acabam se tornan<strong>do</strong> um poder<strong>os</strong>o mecanismo de<br />

reprodução d<strong>os</strong> valores hierárquic<strong>os</strong> de uma aldeia e funcionam ainda como formas de classificação (e controle)<br />

social, distinguin<strong>do</strong> <strong>entre</strong> “chefes de verdade” e “chefes de mentira”, <strong>entre</strong> “pessoas boas” (gener<strong>os</strong>as) e<br />

“mesquinhas” (“ariranhas”), etc.<br />

39

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!