Parentesco e aliança entre os Kalapalo do Alto Xingu - Comunidade ...
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têm ihütisü, vergonha, de não cumprirem com suas obrigações de parentesco (o que fica claro<br />
pelo fato <strong>do</strong> uso de term<strong>os</strong> de parentesco para se fazer pedid<strong>os</strong> provocar na pessoa da qual se<br />
deseja algo o sentimento da obrigação de dar em detrimento à vergonha – ihütisü – de negar).<br />
Como já havia nota<strong>do</strong> Oberg (op. cit.) para <strong>os</strong> Kamayurá, <strong>entre</strong> eles a “vergonha” é o<br />
resulta<strong>do</strong> de uma quebra de conduta <strong>entre</strong> parentes, e não exatamente uma “regra” – assim<br />
como para <strong>os</strong> <strong>Kalapalo</strong>. É este caráter de “valor moral negativo” <strong>entre</strong> parentes que fornece a<br />
produtividade sociológica <strong>do</strong> ihütisü – ele é evoca<strong>do</strong> nas relações <strong>entre</strong> parentes como um<br />
mo<strong>do</strong> de se fazer com que <strong>os</strong> ideais de comportamento <strong>entre</strong> cognat<strong>os</strong> não sejam quebrad<strong>os</strong>,<br />
sob a pena da “vergonha” 78 .<br />
Mas o ihütisü aparece na sua forma mais forte nas relações <strong>entre</strong> afins, estas sim<br />
marcadas pela vergonha como um esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> corpo e da mente e como uma compulsão ao<br />
cumprimento de deveres a<strong>os</strong> afins em p<strong>os</strong>ição superior (o ihütisü <strong>entre</strong> afins recebe um valor<br />
moral p<strong>os</strong>itivo). Os <strong>Kalapalo</strong> distinguem claramente <strong>entre</strong> “<strong>do</strong>a<strong>do</strong>res” e “receptores” de<br />
mulheres no sistema de atitudes, pois apesar de não disporem de term<strong>os</strong> específic<strong>os</strong> para afins<br />
em p<strong>os</strong>ições diferenciais, estas são marcadas pelas distintas formas de utilização pública d<strong>os</strong><br />
vocativ<strong>os</strong>, pela etiqueta da fala e <strong>do</strong> comportamento, expressões da maior ou menor<br />
“quantidade” de “vergonha” existente <strong>entre</strong> as pessoas (que, apesar de ser idealmente igual,<br />
qualquer observa<strong>do</strong>r nota que cunhad<strong>os</strong> em p<strong>os</strong>ição de receptores de mulheres ficam em<br />
p<strong>os</strong>ição um pouco inferior a seus cunhad<strong>os</strong> <strong>do</strong>a<strong>do</strong>res, assim como genr<strong>os</strong> têm muita vergonha<br />
de seus sogr<strong>os</strong> e sogras, deven<strong>do</strong> a eles muito respeito e trabalho – algo que é dito, inclusive,<br />
ser o resulta<strong>do</strong> da “vergonha” devotada pelo genro).<br />
Do ponto de vista da moral, a “vergonha” é a marca p<strong>os</strong>itiva da afinidade e a marca<br />
negativa da consangüinidade, mas é o elemento sociologicamente p<strong>os</strong>itivo que define a<br />
ambas, sofren<strong>do</strong> variações de grau em relação ao status d<strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong> (quan<strong>do</strong> se trata de<br />
afins <strong>do</strong>a<strong>do</strong>res ou receptores de mulheres), geração, idade relativa e cruzamento (quan<strong>do</strong> se<br />
trata de consangüíne<strong>os</strong>; o último critério só faz diferença em relação a prim<strong>os</strong> cruzad<strong>os</strong>, que<br />
têm muita liberdade <strong>entre</strong> si e pouca “vergonha” de faltar com suas obrigações ou fugir ao<br />
ideal kalapalo de comportamento poli<strong>do</strong> e gener<strong>os</strong>o).<br />
Como se vê pela Tabela 3.2, as categorias em G +2 são definidas em função <strong>do</strong> gênero<br />
<strong>do</strong> parente ao qual Ego se refere, haven<strong>do</strong> apenas um termo para cada sexo, seja <strong>do</strong> la<strong>do</strong><br />
78 Assim como o incesto, que, ao ser proibi<strong>do</strong> e marca<strong>do</strong> negativamente pela moral, engendra um resulta<strong>do</strong><br />
sociologicamente p<strong>os</strong>itivo: o imperativo da troca (cf. LÉVI-STRAUSS, 1976).<br />
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