Parentesco e aliança entre os Kalapalo do Alto Xingu - Comunidade ...
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profundamente influenciada pela imagem construída por Clastres (2007) <strong>do</strong> chefe poligâmico<br />
como “prisioneiro <strong>do</strong> grupo”. De acor<strong>do</strong> com o autor, na “imensa maioria” (expressão<br />
genérica, não muito satisfatória, utilizada amplamente por Clastres em seus text<strong>os</strong>) das<br />
sociedades ameríndias a poligamia seria um privilégio d<strong>os</strong> chefes, pois seria uma forma da<br />
sociedade “pagá-lo” por seus serviç<strong>os</strong> e mantê-lo, por conta das dívidas criadas pela <strong>do</strong>ação<br />
de mulheres, como “prisioneiro” <strong>do</strong> grupo, impedin<strong>do</strong> a ampliação <strong>do</strong> potencial de seu status<br />
hierárquico e conten<strong>do</strong> o desenvolvimento <strong>do</strong> poder, manten<strong>do</strong>-o preso à sociedade através de<br />
dívidas que o excluem d<strong>os</strong> circuit<strong>os</strong> de reciprocidade. Entretanto, como afirma Lanna (2005),<br />
não é p<strong>os</strong>sível imaginar nenhuma sociedade na qual o chefe esteja completamente excluí<strong>do</strong><br />
d<strong>os</strong> circuit<strong>os</strong> matrimoniais. Se <strong>entre</strong> ele e a sociedade não houver propriamente “troca”, isto<br />
não significa que não haja circulação de mulheres que o envolva, pois ele certamente tem<br />
irmãs e filhas que se casam com outr<strong>os</strong> homens.<br />
Bastaria investigarm<strong>os</strong>, em um caso particular qualquer, com quem casam as filhas e as irmãs<br />
<strong>do</strong> chefe para identificarm<strong>os</strong>, se não exatamente troca — pois esta relação não é<br />
necessariamente de troca, mas de dívida —, circulação de mulheres (LANNA, Ibid., p. 12).<br />
Façam<strong>os</strong> este exercício. Observan<strong>do</strong> <strong>os</strong> casament<strong>os</strong> matrilaterais registrad<strong>os</strong> em Aiha,<br />
é p<strong>os</strong>sível perceber que 72% das uniões (18 casament<strong>os</strong>) foram realizadas <strong>entre</strong> filh<strong>os</strong> ou<br />
sobrinh<strong>os</strong> “verdadeir<strong>os</strong>” de chefes e chefas, com mulheres classificadas como MBD que são,<br />
por sua vez, filhas ou sobrinhas “verdadeiras” de chefes e chefas. A partir desta informação é<br />
p<strong>os</strong>sível sugerir duas coisas: primeiro, que de fato <strong>os</strong> chefes preferem casament<strong>os</strong><br />
assimétric<strong>os</strong>; mas que eles não se colocam exclusivamente na p<strong>os</strong>ição de receptores, mas sim<br />
que eles se engajam em relações de troca matrilateral <strong>entre</strong> si! Há uma tendência d<strong>os</strong> chefes<br />
casarem suas filhas com seus ZS (para <strong>os</strong> quais suas filhas são MBD), se colocan<strong>do</strong> na<br />
p<strong>os</strong>ição de “<strong>do</strong>a<strong>do</strong>res” de esp<strong>os</strong>as em relação a outr<strong>os</strong> homens, que em sua maioria também<br />
são filh<strong>os</strong> de chefes.<br />
Esta constatação empírica corrobora a crítica feita por Lanna (2005) ao conceito<br />
clastreano de “sociedade contra o Esta<strong>do</strong>” e <strong>do</strong> chefe excluí<strong>do</strong> d<strong>os</strong> circuit<strong>os</strong> de reciprocidade.<br />
Não é p<strong>os</strong>sível imaginar uma sociedade, como as imaginadas por Clastres, na qual a<br />
poligamia <strong>do</strong> chefe não permita a inclusão “significativa” de suas irmãs e filhas <strong>do</strong> sistema<br />
matrimonial. Lembrem<strong>os</strong> que a hipótese clastreana é baseada em uma idéia de poligamia<br />
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