Parentesco e aliança entre os Kalapalo do Alto Xingu - Comunidade ...
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que cada um pode escolher a esp<strong>os</strong>a que quiser, e que mesmo <strong>os</strong> casament<strong>os</strong> arranjad<strong>os</strong><br />
podem ser desfeit<strong>os</strong> antes de sua consumação caso o noivo ou a noiva não tenham interesse na<br />
união. E neste processo de escolha, as primas cruzadas de qualquer tipo aparecem como<br />
esp<strong>os</strong>as preferidas em relação a mulheres não-aparentadas, e as primas cruzadas matrilaterais<br />
tendem a ser preferidas sobre todas as outras (mesmo que às vezes se confundam com primas<br />
bilaterais ou que o casamento seja p<strong>os</strong>teriormente transforma<strong>do</strong> em uma troca de irmãs,<br />
reduzin<strong>do</strong> seu caráter assimétrico <strong>do</strong> ponto de vista d<strong>os</strong> cunhad<strong>os</strong> – o que nunca anula o ponto<br />
de vista assimétrico <strong>do</strong> sogro). Depois da relação de parentesco, vêm <strong>os</strong> caracteres pessoais<br />
valorizad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> <strong>Kalapalo</strong>: beleza física, comportamento gener<strong>os</strong>o, “fala boa” (isto é, não se<br />
envolver em conflit<strong>os</strong> verbais e não falar mal das pessoas) e prestígio como “pessoa boa” em<br />
geral (kuge hekugu) ou prestígio deriva<strong>do</strong> da p<strong>os</strong>se <strong>do</strong> título de itangko, chefa (o que<br />
sup<strong>os</strong>tamente implica, reciprocamente, em beleza física, “fala boa”, etc.).<br />
Vê-se então que <strong>os</strong> casament<strong>os</strong> de namorad<strong>os</strong> passam a ocupar uma p<strong>os</strong>ição inversa<br />
àquela que ocupavam até então na etnologia da região: se antes eram vist<strong>os</strong> como formas de<br />
realizar “segund<strong>os</strong>” casament<strong>os</strong> e casament<strong>os</strong> <strong>entre</strong> não-parentes, vê-se hoje que, de fato, eles<br />
constituem em Aiha a principal forma de se realizar uma união. Isto significa que <strong>os</strong><br />
casament<strong>os</strong> de prim<strong>os</strong> não estão restrit<strong>os</strong> a arranj<strong>os</strong> prévi<strong>os</strong> feit<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> pais d<strong>os</strong> cônjuges,<br />
como supõe Souza (op. cit.), o que tem como conseqüência imediata a expansão <strong>do</strong> valor <strong>do</strong><br />
casamento de filh<strong>os</strong> de prim<strong>os</strong> cruzad<strong>os</strong> para a formulação <strong>do</strong> modelo <strong>do</strong> sistema de <strong>aliança</strong><br />
em relação a tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> casament<strong>os</strong> <strong>entre</strong> pessoas consideradas parentes.<br />
Tanto <strong>os</strong> casament<strong>os</strong> arranjad<strong>os</strong> quanto <strong>os</strong> casament<strong>os</strong> “de namorad<strong>os</strong>” estão<br />
relacionad<strong>os</strong> exatamente da mesma forma a<strong>os</strong> process<strong>os</strong> de transformação da afinidade<br />
terminológica em afinidade efetiva, de mo<strong>do</strong> que este fato não pode ser associa<strong>do</strong>, em Aiha,<br />
exclusivamente à prática <strong>do</strong> noiva<strong>do</strong>. Tanto em um caso como em outro, o que entra em cena<br />
para a realização deste tipo de <strong>aliança</strong> é a transformação de um parente cruza<strong>do</strong> distante (afim<br />
potencial) em um afim real, e esta transformação c<strong>os</strong>tuma ocorrer de acor<strong>do</strong> com duas<br />
regularidades básicas: uma é a recorrência d<strong>os</strong> casament<strong>os</strong> de filh<strong>os</strong> de prim<strong>os</strong> cruzad<strong>os</strong> de<br />
sexo op<strong>os</strong>to, que é o modelo de união mesmo para pessoas que escolhem seus cônjuges e<br />
casam-se pela primeira vez; e outra é a preferência pelo casamento com a prima cruzada<br />
matrilateral (com a MMBSD ou MFZSD), mas que freqüentemente se confunde com uma<br />
prima cruzada bilateral ou é envolvida em uma relação p<strong>os</strong>terior e contingente de troca de<br />
irmãs ou primas cruzadas.<br />
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