José Capela102populações dominadas. O prazeiro não interferiu, geralmente, nas estruturassociais pré-existentes das populações sob o seu domínio. Aliás, comoafirma Issacman, sem a colaboração dos chefes locais, nenhum prazeiropoderia subsistir por períodos longos de tempo. O prazeiro assenhoriou-sede direitos e privilégios que, antes, pertenciam aos chefes locais. Mas semeliminar estes, que por sua vez mantinham domínio político e económicosobre as suas populações. Das relações que o prazeiro mantivesse com ochefe indígena dependia o seu domínio político. Em caso de conflito prevaleciaa força militar, para tanto dispondo os prazeiros de exércitos deescravos. E conforme foi o tipo dessas diversas relações entre o prazeiro e aschefaturas tradicionais, assim foi mais ou menos estável o seu domínio. Dequalquer maneira, o prazeiro dispunha, além do seu exército de escravos,que policiava o território, de agentes locais que o representavam junto doschefes indígenas, e os vigiavam (196) .Quanto à interpenetração cultural, também aqui se deu um fenómenoque deve ser único em todas as colónias africanas, pelo menos quanto aograu atingido. Para o período até aqui em apreço, os prazeiros eram senhoresresidentes. Já vimos que no sistema se integraram nomes da nobreza doreino e, apesar das restrições legais, rapidamente se deu uma total miscigenaçãoentre os próprios prazeiros. A determinada altura, eram senhoresdos prazos as famosas donas, da Zambézia na sua maior parte com sanguede cor, todo o dia rodeadas por numerosas escravas, com elas praticandojogos, entretenimentos, lascívias, coscuvilhices e superstições. Um tipobem determinado de relações patriarcais. Também já vimos como era deregra a concubinagem e os numerosos casos de casamentos de prazeiroscom filhas da terra. O eterno problema da ausência da mulher branca nostrópicos. Em tal meio, a que vieram misturar-se numerosos goeses e goesas,não era possível manter-se um status cultural predominantemente de raizeuropeia. A tendência foi para a submissão crescente dos remanescentesculturais europeus à predominância dos valores culturais locais. Já no séculoXIX havia prazeiros quase totalmente identificados, pelo casamento ehábitos adoptados, com a cultura e civilização locais. Aliás, os portugueses196 Para estes aspectos das relações dos prazeiros com as formações sociais locais, vide a magníficaexposição de Isaacman, ob. cit., págs. 28 e segs.2007
As Burguesias Portuguesas e a Abolição do Tráfico de Escravatura, <strong>1810</strong>-<strong>1842</strong>de naturalidade europeia eram tão poucos em Moçambique que algumasdas relações setecentistas nos dão o seu número, povoação por povoação,em caso algum ultrapassando as dezenas escassas. Na Memória de Miranda,explica-se que «patrícios são filhos de alguns portugueses e naturais de Goa,feitos em negras. São a maior parte da cor dos cabouclos do Brasil, e outrospuramente negros; e a estes entre os nacionais têm o mesmo apelido, etambém os filhos de Goa que os portugueses, porque todos entre eles sãochamados muzungos, que vem a dizer no nosso idioma senhores» (197) . Istoé, para os indígenas, portugueses brancos, goeses e mistos de ambos e denegras, tinham o mesmo tratamento. Por sua vez, os europeus, se eramdados à ociosidade e ostentação, se vangloriavam da sua pretensa ou verdadeirafidalguia, casados ou não, mantinham relações fáceis e múltiplascom concubinas negras, sem se preocuparem com a educação nem delasnem dos filhos (198) .Os goeses, sobretudo através dos casamentos com as donas zambezianas,já dominavam a sociedade prazeira antes dos fins do séculoXVIII. A eles se juntaram portugueses de baixa condição que, da mesmamaneira, foram casar nas famílias tradicionais miscigenadas. A faltacrónica de mulheres brancas fez com que tal sociedade acabasse por sergeralmente mestiça (199) .É certo que, ao longo do século XVIII, foram muitas as rebeliões dechefes locais e nem sempre os portugueses dispuserem de força suficientepara as dominar. Algumas delas deliberadamente contra a exploração deriquezas por parte dos portugueses. Como foi o caso do régulo de Manicaque impedia a passagem do ouro pelo seu território e dos principais doreino de Quiteve que mataram seu rei por este ter permitido aos portuguesesa exploração de onze minas de ouro (200) . Mas tais rebeliões e guerrasnão impediram que o sistema senhorial dos prazos tivesse funcionado aolongo de séculos, pelas razões apontadas. Se é certo que havia chefes recalcitrantes,havia sempre outros que se aliavam com os portugueses contraaqueles. Por sua vez, os portugueses tomavam a iniciativa de proteger103197 In Andrade, ob. cit., pág. 250.198 Idem, pág. 253.199 Isaacman, ob. cit., pág. 59.200 Andrade, ob. cit., pág. 57.E-BOOK CEAUP
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