José Capela132Esta narrativa deixa transparecer suficientemente as característicasda classe esclavagista moçambicana, tal como ela se apresentava nas primeirasdécadas de oitocentos. Apesar disso, julgamos da maior utilidadeacrescentar uns tantos dados susceptíveis de a referenciar com maior precisãoe exactamente nas suas reacções perante as medidas abolicionistasdimanadas de Lisboa. Relações que, por sua vez, nos podem trazer umamaior evidência para a verdadeira natureza dessas mesmas medidas esuas motivações.Quando o negócio da escravatura via aproximar-se o fim dos seus dias,alguns governantes mais avisados previram, desde logo, a necessidade deprover à vida futura da colónia, com perspectivas novas. Como vimos, atéautoridades envolvidas no tráfico pressentiram essa necessidade. Não,porém, a generalidade dos negreiros que trataram de se locupletar atéao fim, saindo em momento propício do território com as suas fortunas.Este era, no final de contas, o resultado da política pombalina que, tendoincentivado a exportação de escravos para o Brasil e tendo pretendidoformar nos portos africanos núcleos de mercadores abastados, acabarapor aniquilar toda a economia colonial. O ministro, de Lisboa, em 1830,recomendando restrições nas despesas públicas, em face da abolição dotráfico de escravos, lastimava que, até 1800, quando tal tráfico não predominavaem Moçambique, era a província rica em ouro, cobre, marfim ecom um comércio activo para a costa do Malabar (278) .Mas a verdade é que nem sequer era possível recomeçar, porque entretantoo comércio da escravatura subvertera tudo e todos. A corrupção erageneralizada a todos os escalões do poder. Os governadores eram venais atal ponto que impediam os funcionários de cumprir o seu dever. O feitor daFazenda de Quelimane dizia-se tolhido pelo governador a quem atribuíatrês caracteres: «opinião, ambição e lascívia». É claro que o governadorestava metido até aos olhos no contrabando da escravatura (279) . Este erao famigerado João Bonifácio Alves da Silva, que se foi para o Brasil com asua fortuna mas, de igual jaez, como vimos, era Vasconcelos e Cirne, queXavier Botelho dizia ser motivado pela «fome de oiro» e que era, nos Rios278 Duque do Cadaval a Paulo José de Brito, 11/Out./ 1830, A. H. U., Avs. de Moç., Maço 19.279 Feitor de Quel. a Gov.-Geral, 25/Julho/1828, A. H. U., Avs. de Moç., Maço 5.2007
As Burguesias Portuguesas e a Abolição do Tráfico de Escravatura, <strong>1810</strong>-<strong>1842</strong>de Sena, o flagelo dos povos por seu «travesso génio, exaltado orgulho ecrassa ignorância». Dizia o governador-geral que extinguira os abusos econtrabandos, «inexaurível mina dos governadores de Quelimane e hojeRios de Sena». Além disso, os governadores encabeçavam prazos. Um,dois e três ao mesmo tempo. O Cirne, que já encabeçava um, em nome damulher, era acusado de estar a fazer vagar mais para tomar conta deles,agindo contra os enfiteutas que vendiam os colonos para a escravatura. Masele, Cirne, obrara a aleivosia de ter chamado amigavelmente os colonosdo seu próprio prazo e, alta noite, os ter embarcado algemados, à falsa fé,num brigue, para o Rio de Janeiro (280) .Cirne paga ao governador-geral na mesma moeda. Acusa-o de concedermercês por «malvados serviços constitucionais, aumentados estespor descarados subornos» (281) . Atribui-lhe a ruína das terras de Sena e deQuelimane, assim como a saída dos mais ricos moradores com todos os seuscabedais. Dizia que ainda nos primeiros anos vinte Sena era a terra commaior número de moradores opulentos. Existiam ainda as grandes casasde prazos feitas pelos «antigos portugueses, pelos condes de Montaury,pelos Mendes e Vasconcelos, pelos Araújos Braganças, pelos Falcões, pelosGameiros, Regos Lisboa, etc. e que, dando honra a si e à Nação pelo respeitoe grandeza que deram àquela vila, mal pensariam que nas suas opulentasresidências e prazos sucederiam miseráveis canarins, para agora as abandonaremtodos ...». O mesmo de Tete. A desgraça tinha como razão principal- segundo Cirne - a revolução de 1820. Desta última vila, tinham-se ausentado,ou morrido, trinta e tantos moradores ricos e abastados «que o erampelos rendosos prazos que administravam e pelas grossas escravaturas quepossuíam». E ainda acusa Botelho de ter vendido a licença para se ausentarpara o Rio de Janeiro ao único morador rico que restava em Tete e que sefora com toda a sua família e parentes (282) . Quanto ao esbulho de nobres133280 Informação de Xavier Botelho, 22/Março/1832, A. H. U., Avs. de Moç., Maço 1.281 Cirne a Conde de Basto, 28/Julho/1830, A. H. U., Avs. de Moç., Maço 1.282 Cirne a Conde de Basto, 9/Dez./1829, A. H. U., Avs. de Moç., Maço 9. As acusações de Cirne aXavier Botelho não eram, certamente, despidas de todo o fundamento. Este governador-geral, em 5de Dezembro de 1826, publicou uma portaria para facilitar a condução de escravos para os lugares«em que, pelos tratados, é permitido semelhante tráfico» (Avulsos de Moçambique, A. H. U., Maço1). Um muçulmano alegava, mais tarde, possuir uma ordem assinada por Botelho que lhe permitiadispor dos pangaios que quisesse «e como de facto logo mandou uma embarcação francesa compraros escravos». (Selemane Bana Agy a Gov.-Geral, 2/Abril/1831, A. H. U., Avs. de Moç., Maço 22).E-BOOK CEAUP
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