José Capela104militarmente aqueles que lhes convinha. Foi o caso do Monomotapa quedispunha de um destacamento militar destinado a protegê-lo contra assublevações dos subordinados (201) .Isaacman (202) considera que o sistema dos prazos foi historicamenteinstável em si mesmo. Atribui essa instabilidade à falta de legitimidadetradicional, à sua dependência dos exércitos de escravos e às incursõesrepetidas dos povos vizinhos do Zambeze. Assim, na segunda metade doséculo XVIII, no distrito de Sena, quase metade dos prazos teve uma duraçãode menos de dez anos e muitos funcionaram durante menos demetade desse tempo. Mas por 1750 havia mais de cem prazos em funcionamentoentre a foz do Zambeze e Tete. E apesar do seu declínio ter sidofacto acentuado na segunda metade do século e se ter acelerado com ocomércio dos escravos a partir da centúria seguinte, a verdade é que osistema se manteve, como tal, durante vários séculos. Com vicissitudesprofundas embora, veio do século XVI até ao século XIX, e influenciou detal maneira a vida de Moçambique que foi sobre a sua estrutura territoriale, de alguma maneira, sobre alguns aspectos da sua estrutura social que sevieram a estabelecer as primeiras companhias capitalistas de plantação,em finais de oitocentos. É verdade que o sistema não resultou como fixaçãode população europeia e consequente domínio político da Coroa dePortugal na Zambézia. E parece ser isso que leva Isaacman a evidenciaro carácter de instabilidade do sistema. Mas é um facto incontestável que,até meados do século XVIII, se desenvolveu ao longo do vale do Zambezeum verdadeiro sistema senhorial, simultaneamente escravocrata: Queassentava em grandes domínios territoriais, em exércitos de escravos, eem relações sócio-económicas de tipo feudal, com grandes peculiaridadesembora, com chefes locais tradicionais política e economicamentesubordinados aos prazeiros. Estes, economicamente, viviam das rendas etributos, assim como das produções agrícolas feitas pelos colonos, quaisservos adscriptícios. Além disso beneficiavam do comércio para o interiorque, durante muito tempo, foi a sua principal fonte de receita e exportavamouro, marfim, escravos e produtos agrícolas excedentários.201 Idem, pág. 58.202 THE TRADITION OF RESISTANCE IN MOZAM BIQUE - ANTI-COLONIAL ACTIVITY IN THE ZAMBEZIVALLEY, 1850-1921, University of California Press, 1976, pág. 5.2007
As Burguesias Portuguesas e a Abolição do Tráfico de Escravatura, <strong>1810</strong>-<strong>1842</strong>Mas Moçambique não era apenas a sociedade prazeira. Já referimoscomerciantes típicos que buscavam, no interior, o ouro e o marfim.Certamente que, nos portos, se desenvolvia comércio a longa distânciae é preciso ver até que ponto, paralelamente com a classe predominantementesenhorial dos prazos, não havia outra dedicada especialmenteàs transacções comerciais, nestas incluídas a importação e a exportação.Se alguma coisa tentámos dizer da classe senhorial até meados do séculoXVIII, não foi porque ela viesse a estar directamente relacionada com aabolição do tráfico e da escravatura que, aliás, só se veio a dar quase cemanos depois. Ao contrário, porque esse tipo de sociedade sob seu domínionos vai permitir identificar uma evolução que destrói exactamente essaqualidade de senhorial e que se processa sobre réditos de natureza diversaque lhe fornece. O comércio exacerbado de escravos inviabiliza o senhorioque tinha neles, enquanto estáveis, o seu suporte principal.O mesmo se não poderá dizer de uma eventual classe estabelecida nosportos marítimos, vivendo predominantemente dos negócios, porventurada navegação. Classe que, a ser identificada como tal, estaria aparentementemuito mais predisposta para o grande tráfico negreiro se é que, emmaior ou menor grau, não estaria, desde há muito, nele envolvida. Acresceo facto de a povoação mais central ao sistema dos prazos, Sena, ser umporto fluvial muito distante do mar. O mesmo acontecia com Tete, onde seencontrava o tráfego que, desde o Zumbo e ao longo do Zambeze, até ládescia. E Quelimane, igualmente capital de terras emprazadas, à margemdo Rio dos Bons Sinais, esta se poderia dizer já quase um porto de mar.Veremos que, tal como para alguns casos referenciados no século XVIII, noséculo seguinte proliferam os governantes e funcionários públicos, simultaneamentea explorarem prazos, negócios marítimos e de navegação ou,pelo menos, uma dessas modalidades. Em meados do século XVIII os portosde Sofala e Inhambane, mais ao sul, não tinham qualquer importância eos portugueses residentes viviam na miséria. Aliás, portugueses de raiz,pelas razões apontadas e outras de que trataremos, eram, no Moçambiqueoitocentista, escassos em número e na generalidade pobres.Até à separação decretada feita pelo decreto real de 19 de Abril de 1752,a possessão portuguesa da costa oriental de África não passava de um complementodo Estado da India ao qual estava subordinada tanto política como105E-BOOK CEAUP
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