José Capela54que o tráfico da escravatura estava condenado e, com ele, os únicos réditosdas colónias africanas, daí partindo para defender a necessidade de novosprojectos para aqueles territórios, agora, os comerciantes limitavam-se asugerir, sem grande crença, ir buscar à África o que antes vinha do Brasil.Mecanicamente, como se isso não exigisse transformações radicais emtodo um sistema. E acumulação de capital de uma ordem que eles mesmosconfessavam não terem feito. Ao falarem, escassamente como o fazem, daÁfrica, ressalta claramente a incapacidade estrutural com que a grandeburguesia portuguesa se debatia para se instalar, firmemente dominadora,e proceder à viragem profunda que se impunha nas relações coloniais,mais do que um interesse efectivo pelas colónias africanas, para não falarjá de qualquer pretenso movimento decidido em tal direcção, que não sedescortina verdadeiramente.A burguesia nacional dispunha nas Cortes de uma outra comissão, eesta directamente relacionada com os interesses coloniais: a Comissão doUltramar. Na sessão de 19 de Abril de 1822 apresentou dois relatórios. Umsobre Angola e outro sobre Moçambique. As considerações da comissão sãovisivelmente dominadas pela situação caótica criada àqueles territórios pelocomércio dos escravos: «A agricultura deste Reino (Angola) podia ser muitoextensa e muito lucrativa; mas os negociantes, inteiramente entregues aocruel, e injusto tráfico da escravatura, têm desprezado absolutamente estefundamental princípio da riqueza pública!» (95) Depois de referir as potencialidadesem metais, falando do comércio de todos os outros géneros, defendeque deve ser desembaraçado de restrições, «que sistemas pouco ilustrados, etalvez interesseiros ali tinham introduzido». Um dos exemplos que dá é o dasaída dos navios que têm de esperar vez, conforme a entrada. A um requerimentode dois armadores, feito em 1820, ao Rio de Janeiro, foi consultadaa Junta de Comércio daquele reino, que, em 12 de Setembro, alegava que aigualdade do comércio e da lei e o direito de propriedade exigiam que todosos negociantes de Angola pudessem mandar sair livremente os seus navios,uma vez que provassem perante o juiz da alfândega que eram proprietáriosda carregação. Por sua vez, o contrato do marfim era nacional, assim comoo da urzela e estava confiado à administração do Banco do Rio.95 DIÁRIO DAS CORTES, cit., págs. 883 e segs. para o que se diz da Comissão do Ultramar.2007
As Burguesias Portuguesas e a Abolição do Tráfico de Escravatura, <strong>1810</strong>-<strong>1842</strong>Por onde se vê que, além do mais, a comissão do Ultramar, tambémela, reflectia os interesses feridos do comércio português perante apolarização, no Brasil, das trocas com Angola. E é a consciência quese começa a tomar, por um lado, de que a marcha para a abolição dotráfico acabará por se tornar irreversível e, por outro, de que, afinal decontas, o tráfico que subvertera toda a possibilidade de produção emÁfrica só estava a favorecer a prevalência do Brasil no todo do sistemacolonial português. Isto é, quando a escravatura serviu de base à produçãobrasileira, e esta alimentou o grande comércio de import/exportportuguês, o tráfico não levantou problemas a ninguém. Mas quando seveio a verificar que ele contribuía decisivamente para a prosperidadede um Brasil que se subtraía ao domínio português, então e só então,é que se deu conta de que se tratava de uma iniquidade que deixara aÁfrica na penúria. A maneira hesitante e hipotética como também estaComissão fala das potencialidades das colónias africanas demonstra,mais uma vez, não somente a perplexidade criada pelo estado de coisascom que se deparava como também a incapacidade em que estavapara lhe dar resposta. Quanto ao caso específico da escravatura e doseu tráfico, se é certo que tudo concorra para nos convencer de que osseus beneficiários imediatos estavam no Brasil e não em Lisboa, era,também por isso mesmo, uma questão que se lhe punha de fora: daInglaterra e do Brasil.A Comissão do Ultramar, ao defender a liberalização do comércio como sertão angolano, apostrofa-o simultaneamente: «Porém este comércioestá particularmente dirigido para a escravatura; comércio injusto, tirânico,e que ataca igualmente os princípios da religião, da humanidade e dapolítica». Quem ia aos escravos de Angola não eram os comerciantes deLisboa, mas os dos portos do Brasil. É por tudo isso que não se pode atribuirimportância especial ao projecto de decreto apresentado na sessão de 13 deMarço de 1822 por Borges de Barros, sem qualquer consequência práticaaliás; decreto destinado a «promover a povoação, civilização e cultura dovasto Reino do Brasil» e no qual se previa que a emigração estrangeirapoderia vir, em curto prazo, a dispensar a importação de escravos. Dequalquer maneira, constavam disposições para o resgate de escravos, emcondições especiais.55E-BOOK CEAUP
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