José Capela176em nova era. O que aliás era lógico, a partir da realidade sócio-económicaque tinham diante dos olhos.A verdade é que outros factos confirmam inteiramente quanto aí está. Noano em que Sá da Bandeira publicava o famoso decreto, já os estrangeiros iamaos portos africanos à procura de matérias-primas. Os estrangeiros e não osportugueses. Dizia Lopes de Lima que eles, os estrangeiros, não precisavamde qualquer estímulo para isso: «porque aquele comércio é hoje o mais pinguedo Mundo, a abundância de matérias-primas que dali se extrai convém muitoa nações manufactureiras». Achava bem que se lhes abrisse esse comércio.Mas era necessário «baratear o comércio português naquelas possessões paraincitar os especuladores nossos a ir competir com os estrangeiros e chamara nós essas matérias-primas». Nomeadamente, acabar com certos direitossobre os vinhos que, em alguns portos, excediam o próprio custo (354) .Para o que era preciso dispor de navegação que não tínhamos, de manufacturasque se alguma coisa tínhamos não eram competitivas. Em 1840,para África, de produção portuguesa, além de vinho e aguardente, apenastinham ido quatro arrobas de presunto. Todas as demais mercadorias, emque avultam as fazendas de algodão num valor total de 117 413 200 réis,eram de origem estrangeira. E isto em total contraste com o que se passavaem 1825, ano em que foram 64 pipas de vinagre e 950 instrumentos de agriculturade fabrico português. Mas em 1806, isto é, antes de qualquer medidaabolicionista, também antes das invasões e da abertura dos portos brasileiros,tanto Lisboa como o Porto mandavam para África chitas, lenços, panosde lã ordinários, sedas e outros objectos de manufactura portuguesa (355) .Quer dizer, o problema fundamental residia no estádio de desenvolvimentodas forças produtivas portuguesas. Como podiam elas exigir aabolição do tráfico, quando nem sequer estavam preparadas para acompanhara nova situação criada pela extinção que se processava? Aliás, emLisboa, ignorava-se tudo sobre as colónias de África. A isso atribuía Sáda Bandeira «uma das causas principais do estado de decadência em queelas se encontram» (356) . Isso dizia, justificando a criação do «Memorial354 Lopes de Lima a Sá da Bandeira, 6/Dez./1836, A. H. U., Papéis de Sá da Bandeira, Maço 5.355 José Tavares de Macedo, NOTÍCIA <strong>DO</strong> ESTA<strong>DO</strong> <strong>DO</strong> COMMERCIO <strong>DE</strong> PORTUGAL COM AS SUASPOSSESSÕES ULTRAMARINAS, in ANNAES MARÍTIMOS E COLONIAIS, n.º 2, 2.ª série, parte não oficial.356 «Vedeta da Liberdade», 19 de Fevereiro de 1836.2007
As Burguesias Portuguesas e a Abolição do Tráfico de Escravatura, <strong>1810</strong>-<strong>1842</strong>Ultramarino e Marítimo» que só publicou um número. E o despacho quedispensava o seu redactor informava que não havia documentos, nemestatísticas, nem nada para publicar. Em 1840, em sessão extraordináriadas Câmaras, durante a qual o ministro do Ultramar apresentou o seurelatório, dizia ele não dispor nem de estatísticas nem de informações.Do governo de S. Tomé que tomara posse havia meses, nem sequer tinharecebido qualquer correspondência (357) .Se as classes dirigentes nacionais não podiam fazer nada que lhes permitisserecuperar imediatamente, na África, o que tinham perdido no Brasil,é evidente que os negreiros africanos muito menos dispostos estavam areconverter a sua actividade. O governador de Moçambique, brigadeiroMarinho, dizia que eles «não queriam nem querem de maneira alguma» odesenvolvimento do comércio lícito até porque essa seria mais uma razãopara a necessidade de manterem aquele em que estavam metidos (358) . EmAngola, em 1840, era apontado um único agricultor fixado, João GuilhermePereira Barbosa, que colhera cento e setenta arrobas de café e tinha umaplantação para mais de mil. Era por este exemplo tão singular que lhetinha sido concedida a mercê do Hábito de Cristo, um dos processos comque se procurava incentivar a exploração do território. Aliás, o primeirogovernador-geral de Angola que combateu o tráfico eficazmente foi o oficialde Marinha Pedro Alexandrino da Cunha, nomeado para aquele cargo pordecreto de 31 de Maio de 1845; quando era comandante da Divisão Navalem Angola. Foi exonerado em 1848. O que quer dizer que, em Angola, aacção efectiva das autoridades portuguesas contra o tráfico só foi possívelexactamente quando se aproximava a data da sua extinção, por circunstânciasexternas. Mas a verdade é que este governador deixou tal rasto quesó em 1871 é que foi erigida em Luanda a sua estátua, depois de ter estadoanos na Alfândega, sem que ninguém se atrevesse a exibi-la. Tais foram osódios que a sua acção desencadeou (359) .Embora esteja fora do objecto imediato deste trabalho o período subsequenteà abolição legal do tráfico da escravatura, alguns dados dele se podemretirar a comprovar que as classes dominantes coloniais permaneceram177357 ANNAES MARÍTIMOS E COLONIAES, nº. 3, Janeiro de 1841.Pereira Marinho, ob. cit., pág. 13.358 Pereira Marinho, ob. cit., pág. 13.359 In ANGOLANA, I, cit., págs. 643 e segs.E-BOOK CEAUP
- Page 1:
EDIÇÕESELECTRÓNICASCEAUPAS BURGU
- Page 5 and 6:
AS BURGUESIAS PORTUGUESASE A ABOLI
- Page 7:
ÍNDICEPREFÁCIO 9INTRODUÇÃO 111.
- Page 12 and 13:
José Capela12Estudar, pois, a abol
- Page 15 and 16:
As Burguesias Portuguesas e a Aboli
- Page 17 and 18:
As Burguesias Portuguesas e a Aboli
- Page 19 and 20:
As Burguesias Portuguesas e a Aboli
- Page 22 and 23:
José Capela22da tal ordem senhoria
- Page 24 and 25:
José CapelaCom a extinção das co
- Page 26 and 27:
José Capela26defrontavam em Portug
- Page 28 and 29:
José Capelaexpansão que dela se p
- Page 30 and 31:
José CapelaOra, a primeira de toda
- Page 32 and 33:
José Capela32retirada dos monopól
- Page 34 and 35:
José CapelaSe pode aceitar-se como
- Page 36 and 37:
José Capelada consideração sober
- Page 38 and 39:
José Capela38«Tolos eram os portu
- Page 40 and 41:
José Capelapronto, e que era miste
- Page 42 and 43:
José Capela42comércio legítimo n
- Page 44 and 45:
José Capelaem que este comércio d
- Page 46 and 47:
José Capela46Porto do que em Lisbo
- Page 48 and 49:
José Capela48metrópole» (81) . M
- Page 50 and 51:
José Capela50momentâneo bem da ag
- Page 52 and 53:
José Capelado tráfico da escravat
- Page 54 and 55:
José Capela54que o tráfico da esc
- Page 56 and 57:
José Capela56Mas os brasileiros ta
- Page 58 and 59:
José Capela58a sair em navios port
- Page 60 and 61:
José Capelaprojecto para proibiç
- Page 62 and 63:
José Capelaefeitos da convulsão p
- Page 64 and 65:
José Capelaexactamente porque não
- Page 66 and 67:
José Capela66milícia, no comérci
- Page 68 and 69:
José Capela68extremamente diversif
- Page 70 and 71:
José Capela70da proibição que im
- Page 72 and 73:
José Capela72desenganar aos comiss
- Page 74 and 75:
José Capela74que puderam reduzir a
- Page 76 and 77:
José Capela76As posições políti
- Page 78 and 79:
José CapelaFoi sugerido que uma da
- Page 80 and 81:
José Capela80O próprio Sá da Ban
- Page 82 and 83:
José Capela82limitando a observaç
- Page 84 and 85:
José Capela84se viam pequenos cobe
- Page 86 and 87:
José Capela86netos, e a sua fortun
- Page 88 and 89:
José Capela88de 150 a 200 pessoas,
- Page 90 and 91:
José Capela90medida havia de traze
- Page 92 and 93:
José CapelaOutro índice significa
- Page 94 and 95:
José Capela94senhores. Conquista q
- Page 96 and 97:
José Capela96Como a transmissão d
- Page 98 and 99:
José Capela98com que se divertiam
- Page 100 and 101:
José Capela100de escravos em grand
- Page 102 and 103:
José Capela102populações dominad
- Page 104 and 105:
José Capela104militarmente aqueles
- Page 106 and 107:
José Capela106economicamente. A au
- Page 108 and 109:
José Capela108capitão-general Dav
- Page 110 and 111:
José Capela110O mesmo governador,
- Page 112 and 113:
José Capela112eram dos mais ricos
- Page 114 and 115:
José Capela114Estamos portanto dia
- Page 116 and 117:
José Capela116O que aproveitava, s
- Page 118 and 119:
José Capela118todos os navios da m
- Page 120 and 121:
José Capela120enriquecer rapidamen
- Page 122 and 123:
José Capelatem ido deste país par
- Page 124 and 125:
José Capela124Não há dúvida que
- Page 126 and 127: José Capela126disso o mesmo govern
- Page 128 and 129: José Capela128para fazer o contrab
- Page 130 and 131: José Capela130Ocidental apenas um
- Page 132 and 133: José Capela132Esta narrativa deixa
- Page 134 and 135: José Capela134de que Cirne o acusa
- Page 136 and 137: José Capela136sindicância, porque
- Page 138 and 139: José Capela138Foi assim que o mini
- Page 140 and 141: José Capela140atribui às pressõe
- Page 142 and 143: José Capela142ocaso do capitão Al
- Page 144 and 145: José Capela144porque em Moçambiqu
- Page 146 and 147: José Capela146no tráfico da escra
- Page 148 and 149: José Capela148fronteiro à Ilha de
- Page 150 and 151: José Capela150artigos adicionais s
- Page 152 and 153: José Capela152vitória. E quando f
- Page 154 and 155: José Capela154Os ingleses, que já
- Page 156 and 157: José Capela156intervir no tráfico
- Page 158 and 159: José Capela158domínios portuguese
- Page 160 and 161: José Capela160Inglaterra disposta
- Page 162 and 163: José Capela162da Bandeira recusou
- Page 164 and 165: José Capela164negócio nada aprove
- Page 166 and 167: José Capela166de D. João VI inter
- Page 168 and 169: José Capelacomércio britânico, a
- Page 170 and 171: José Capela170nesta verba débitos
- Page 172 and 173: José Capelaeconómico dos dois pa
- Page 174 and 175: José Capela174Os projectos, tímid
- Page 178 and 179: José Capelaesclavagistas e dadas a
- Page 180 and 181: José Capela180algodão, para o qua
- Page 182 and 183: José CapelaANEXOSCOMPRA DE UM ESCR
- Page 184 and 185: José Capela184CIRNE, Manuel Joaqui
- Page 186 and 187: José CapelaRESULTADO DOS TRABALHOS
- Page 188 and 189: José Capela188AZEVEDO, Julião Soa
- Page 190 and 191: José Capela190GOMES, Marques - LUC
- Page 192: José Capela192SANCEAU, Elaine - D.