José Capela136sindicância, porque quase todas as pessoas eram cúmplices dele e de seufilho que fora para o Rio de Janeiro, «onde é a direita descarga dos imensoscabedais que adquirem criminosamente estes ambiciosos governadoresque há nove anos têm servido nos governos subalternos desta capitania».E as rapinas que faziam os governadores faziam-nas, por igual, os feitoresda Real Fazenda nos portos e quase todos os outros empregados públicos,acrescentava o governador. Os lugares do funcionalismo eram ocupadospor goeses de quem o governador-geral diz que «vêm de Goa buscar fortunaa Moçambique, e por isso só tratam de enriquecer-se, sem escolha ou delicadezanos meios de o conseguir». Baneanes e canarins associavam-se comos governadores subalternos, estes com os feitores e seus escrivães, «entãouns e outros não tratam senão de enriquecerem seja por que meio for».Este governador demitido deixava entrar em Lourenço Marques osnavios antes de irem à capital, consentia que eles carregassem escravossem pagarem os direitos reais, vendia e aprisionava escravos, etc. Ao fimde 14 meses, apresentou-se em Moçambique com uma fortuna, segundoconstava, de trinta mil pesos espanhóis, em moeda. Em Lourenço Marquesdeixara 100 escravos para seguirem para o Rio de Janeiro, para onde ofilho já tinha levado mais duzentos e trinta (291) . Trazia os soldados à caçade escravos e quando eles não conseguiam apanhá-los maltratava-os.Quando os barcos chegavam, o filho ia a bordo comprar a maior partedas fazendas e aguardentes, sem pagar direitos, e os moradores tinhamque lhas adquirir, depois, por preços exorbitantes. Acabava por ser ele oprincipal fornecedor de escravos aos navios negreiros, o que fazia a 60 e100 pesos por cabeça (292) .O viajante inglês Henrique Salt (293) que esteve em Moçambique por 1809-<strong>1810</strong>, dizia ser o Mossuril, no continente frente à Ilha de Moçambique, olugar preferido pelos proprietários para edificar as suas habitações, algumasdelas muito boas. Nas casas dos plantadores recebia-se bem e eles eram«mui civis e generosos, sem nunca quererem aceitar dinheiro por aquiloque nos davam». Havia outras povoações mais pequenas e, numa delas, naCabaceira, uma excelente casa que estava a ser cercada por um muro para291 Gov.-Geral a Min. da Mar., 5/Dez./1829, A. H. U., Avs. de Moç., Maço 9.292 Cabo de Esquadra a Gov.-Geral, 15/Out./1829, A. H. U., Avs. de Moç., Maço 9.293 Ob. cit., In INVESTIGA<strong>DO</strong>R PORTUGUEZ, cit.2007
As Burguesias Portuguesas e a Abolição do Tráfico de Escravatura, <strong>1810</strong>-<strong>1842</strong>defesa dos macuas. Apesar de Salt ter visitado a colónia quando a sua devastaçãopelo tráfico da escravatura não tinha ainda atingido o auge, já nos falados abusos que eram tolerados, e dos quais resultavam «infinitas injustiças ea fraqueza da colónia. Tirante o governador-geral e o seu Estado-maior, osdemais eram quase todos desterrados do Reino. Ninguém queria para ali vir,por causa da péssima salubridade. Os que vinham tratavam de se meter emespeculações com os mercadores indígenas, cujo principal comércio era o deescravatura. Os escrúpulos na aquisição de riqueza desapareciam. Já entãose faziam sentir os efeitos do tráfico transoceânico. Os cultivadores faziam-se«viciosos, indolentes e pouco cuidadosos de aumentar a sua propriedade».Dividia a população nas «duas distintas classes»: portugueses europeus ecultivadores indígenas, descendentes dos antigos proprietários, computadosem quinhentas famílias. Além desses, havia ainda os descendentes dos antigosproprietários, árabes e baneanes, os primeiros ocupando-se das fainasdo mar e os últimos, «pequenos comerciantes ou medianos artífices». Unse outros perfariam uns oitocentos. A restante população era composta depretos livres e soldados do país. No total mil e quinhentos indivíduos. Oseuropeus não trabalhavam. Apenas chegavam, logo se entregavam a todosos vícios. Entre eles, a taxa de mortalidade era altíssima. O comércio deMoçambique fazia-se para a Índia e para o Brasil. O primeiro era ainda muitolucrativo, com o marfim, ouro e escravos levados para Goa, Damão e Diu,de onde, anualmente, vinham quatro a cinco navios carregados de panosde algodão, chá e outros produtos orientais. O comércio com o Ocidenteresumia-se aos escravos para as possessões espanholas e portuguesas, atroco de dinheiro. Computava a exportação anual de escravos em 4 000.Cada escravo pagava de direitos 16 cruzados e meio (6 800 réis).Que a degradação social, económica, política e moral era profunda egeral, em Moçambique, veio a tornar-se especialmente flagrante quandoas autoridades começaram a perceber que se tornava necessário dar outrorumo às possessões da costa oriental de África. Percepção fácil de adquirirperante os relatórios unânimes, as brigas constantes, as reclamaçõespermanentes. De vários lados surgiam os avisos de que o tráfico da escravaturamais tarde ou mais cedo acabaria, uma vez que a Inglaterra não sónão estava disposta a tolerá-lo como já estava a tomar medidas concretaspara acabar com ele.137E-BOOK CEAUP
- Page 1:
EDIÇÕESELECTRÓNICASCEAUPAS BURGU
- Page 5 and 6:
AS BURGUESIAS PORTUGUESASE A ABOLI
- Page 7:
ÍNDICEPREFÁCIO 9INTRODUÇÃO 111.
- Page 12 and 13:
José Capela12Estudar, pois, a abol
- Page 15 and 16:
As Burguesias Portuguesas e a Aboli
- Page 17 and 18:
As Burguesias Portuguesas e a Aboli
- Page 19 and 20:
As Burguesias Portuguesas e a Aboli
- Page 22 and 23:
José Capela22da tal ordem senhoria
- Page 24 and 25:
José CapelaCom a extinção das co
- Page 26 and 27:
José Capela26defrontavam em Portug
- Page 28 and 29:
José Capelaexpansão que dela se p
- Page 30 and 31:
José CapelaOra, a primeira de toda
- Page 32 and 33:
José Capela32retirada dos monopól
- Page 34 and 35:
José CapelaSe pode aceitar-se como
- Page 36 and 37:
José Capelada consideração sober
- Page 38 and 39:
José Capela38«Tolos eram os portu
- Page 40 and 41:
José Capelapronto, e que era miste
- Page 42 and 43:
José Capela42comércio legítimo n
- Page 44 and 45:
José Capelaem que este comércio d
- Page 46 and 47:
José Capela46Porto do que em Lisbo
- Page 48 and 49:
José Capela48metrópole» (81) . M
- Page 50 and 51:
José Capela50momentâneo bem da ag
- Page 52 and 53:
José Capelado tráfico da escravat
- Page 54 and 55:
José Capela54que o tráfico da esc
- Page 56 and 57:
José Capela56Mas os brasileiros ta
- Page 58 and 59:
José Capela58a sair em navios port
- Page 60 and 61:
José Capelaprojecto para proibiç
- Page 62 and 63:
José Capelaefeitos da convulsão p
- Page 64 and 65:
José Capelaexactamente porque não
- Page 66 and 67:
José Capela66milícia, no comérci
- Page 68 and 69:
José Capela68extremamente diversif
- Page 70 and 71:
José Capela70da proibição que im
- Page 72 and 73:
José Capela72desenganar aos comiss
- Page 74 and 75:
José Capela74que puderam reduzir a
- Page 76 and 77:
José Capela76As posições políti
- Page 78 and 79:
José CapelaFoi sugerido que uma da
- Page 80 and 81:
José Capela80O próprio Sá da Ban
- Page 82 and 83:
José Capela82limitando a observaç
- Page 84 and 85:
José Capela84se viam pequenos cobe
- Page 86 and 87: José Capela86netos, e a sua fortun
- Page 88 and 89: José Capela88de 150 a 200 pessoas,
- Page 90 and 91: José Capela90medida havia de traze
- Page 92 and 93: José CapelaOutro índice significa
- Page 94 and 95: José Capela94senhores. Conquista q
- Page 96 and 97: José Capela96Como a transmissão d
- Page 98 and 99: José Capela98com que se divertiam
- Page 100 and 101: José Capela100de escravos em grand
- Page 102 and 103: José Capela102populações dominad
- Page 104 and 105: José Capela104militarmente aqueles
- Page 106 and 107: José Capela106economicamente. A au
- Page 108 and 109: José Capela108capitão-general Dav
- Page 110 and 111: José Capela110O mesmo governador,
- Page 112 and 113: José Capela112eram dos mais ricos
- Page 114 and 115: José Capela114Estamos portanto dia
- Page 116 and 117: José Capela116O que aproveitava, s
- Page 118 and 119: José Capela118todos os navios da m
- Page 120 and 121: José Capela120enriquecer rapidamen
- Page 122 and 123: José Capelatem ido deste país par
- Page 124 and 125: José Capela124Não há dúvida que
- Page 126 and 127: José Capela126disso o mesmo govern
- Page 128 and 129: José Capela128para fazer o contrab
- Page 130 and 131: José Capela130Ocidental apenas um
- Page 132 and 133: José Capela132Esta narrativa deixa
- Page 134 and 135: José Capela134de que Cirne o acusa
- Page 138 and 139: José Capela138Foi assim que o mini
- Page 140 and 141: José Capela140atribui às pressõe
- Page 142 and 143: José Capela142ocaso do capitão Al
- Page 144 and 145: José Capela144porque em Moçambiqu
- Page 146 and 147: José Capela146no tráfico da escra
- Page 148 and 149: José Capela148fronteiro à Ilha de
- Page 150 and 151: José Capela150artigos adicionais s
- Page 152 and 153: José Capela152vitória. E quando f
- Page 154 and 155: José Capela154Os ingleses, que já
- Page 156 and 157: José Capela156intervir no tráfico
- Page 158 and 159: José Capela158domínios portuguese
- Page 160 and 161: José Capela160Inglaterra disposta
- Page 162 and 163: José Capela162da Bandeira recusou
- Page 164 and 165: José Capela164negócio nada aprove
- Page 166 and 167: José Capela166de D. João VI inter
- Page 168 and 169: José Capelacomércio britânico, a
- Page 170 and 171: José Capela170nesta verba débitos
- Page 172 and 173: José Capelaeconómico dos dois pa
- Page 174 and 175: José Capela174Os projectos, tímid
- Page 176 and 177: José Capela176em nova era. O que a
- Page 178 and 179: José Capelaesclavagistas e dadas a
- Page 180 and 181: José Capela180algodão, para o qua
- Page 182 and 183: José CapelaANEXOSCOMPRA DE UM ESCR
- Page 184 and 185: José Capela184CIRNE, Manuel Joaqui
- Page 186 and 187:
José CapelaRESULTADO DOS TRABALHOS
- Page 188 and 189:
José Capela188AZEVEDO, Julião Soa
- Page 190 and 191:
José Capela190GOMES, Marques - LUC
- Page 192:
José Capela192SANCEAU, Elaine - D.