José Capela108capitão-general David Marques Pereira proibiu os baneanes de exerceremo comércio e de possuírem imóveis no continente. Foram-lhes dados trêsmeses para venderem as propriedades que aí tinham. A verdade é que osbaneanes se tinham tornado imprescindíveis e o executor das instruções de1761, João Pereira da Silva Barba, veio a permitir-lhes de novo o comérciono continente e Pereira do Lago o acesso à Zambézia e às ilhas Quirimba.Este capitão-general viria a ser acusado de peita, mas não há dúvida queos baneanes se tinham tornado uma classe comercial insubstituível, demomento. As próprias autoridades a eles recorriam, em dificuldades deabastecimento ou de numerário. Apesar, pois, de vários ataques e restrições,eles mantiveram-se predominantes e, dos duzentos que eram, em1759, na capital, passaram a 300 em 1782, data em que o governador deMoçambique desencadeou novas medidas contra eles, chegando a propora sua expulsão pura e simples de Moçambique.Dada a abertura dos portos e os incentivos da política pombalina aotráfico de escravos da África para o Brasil, a burguesia lisboeta começou adirigir-se directamente à costa oriental. Assim, a partir de 30 de Setembrode 1761, vários armadores de Lisboa foram autorizados a mandar barcosa Moçambique e daí ao Rio de Janeiro e Baia. Apenas podiam carregarescravos e produtos locais, mas não tecidos da Índia. Estas viagens de umpequeno grupo de comerciantes lisboetas prolongaram-se para depois de1772. De Lisboa seguiam instruções no sentido de as mercadorias brasileirasimportadas em Moçambique serem pagas exclusivamente com escravos.É claro que o tráfico de escravos de Moçambique para o Brasil vinha jádesde 1645, após a ocupação de Angola pelos holandeses, em 1641. Com apolítica pombalina ele foi incentivado, mas nessa altura ainda o comérciocom a Índia era mais lucrativo, pelo que não só os armadores de Lisboatrataram de obter licenças para a viagem até lá, como outros fizeram o mesmo.Ainda no século XVIII, a exportação de escravos para as Mascarenhas,próximas, era mais lucrativa do que a feita para o Brasil. Pelo que aquela foimais importante do que esta, do que trataremos. Verdadeiramente, comonos mostra a abundante documentação disponível, o tráfico para o Brasildominou a vida económica de Moçambique a partir dos princípios do séculoXIX. E se este viria a ser o factor principal da decadência e corrupção quetransformou Moçambique em terra de traficâncias sem escrúpulos, onde os2007
As Burguesias Portuguesas e a Abolição do Tráfico de Escravatura, <strong>1810</strong>-<strong>1842</strong>crimes e abominações de toda a ordem passaram a ser o pão nosso de cadadia, outros o precederam e criaram condições propiciadoras de tal regressão.Por exemplo, ao mesmo tempo que Moçambique obtinha a sua independênciaadministrativa relativamente à Índia, recebia em 1752 um reforçomilitar de 376 oficiais e praças. Estas tropas, além de soldados voluntários,eram compostas na sua maior parte por degredados condenados empenas até à morte ou de anos (205) . Quando Pombal elevou à categoria devilas Moçambique, Quelimane, Sofala, Inhambane, Sena, Tete, Zumbo eManica, apenas na capital foi possível organizar a Câmara Municipal, porfalta de pessoas capazes ou de recursos nas restantes localidades. Segundoa informação de Montaury (206) , de 1778, o provedor da Fazenda Real eraum dos homens mais ricos mas que não sabia ler nem escrever. O provedorda Alfândega tinha a mais do que aquele apenas o saber desenhar muitomal o seu nome. Nessa altura, o governador admitia no porto navios dasMaurícias e de Bourbon, com o pretexto de água aberta. Os barcos iam àcarga de escravos, ouro e marfim. O que pagavam aos naturais com armase pólvora. E aos restantes com patacas espanholas. Esta moeda tomava-atoda o governador, a quatro cruzados a pataca, marcava-a e fazia-a correr aseis cruzados, tornando o seu curso obrigatório. Os barcos estrangeiros estavamproibidos de entrar no porto e ele não tinha autorização para cunharmoeda. Era pura usura privada. Não satisfeito com isso, ainda mandava àsMaurícias barcos com escravos, a serem pagos com patacas. Um governadordo Ibo, José da Costa Portugal, foi sindicado, tendo o sindicante calculadoque a Fazenda Real fora defraudada em 350 000 cruzados desde que, em1786, se começara a negociar em Cabo Delgado. O governador tinha, nadamais nada menos, formado com outros uma companhia particular quecomerciava marfim, fazendas e escravos (207) .Pereira do Lago, elogiando um secretário do Governo-Geral, que morreupobre, em 1765, louva-o pelo «préstimo, capacidade e limpeza de mãos (…)raridade de procedimento que aqui se admira, como cousa nunca vista». Epara sua substituição «não havendo um só para donde me possa virar» (208) .109205 Fritz Hoppe, ob. cit., pág. 68.206 In Andrade, ob. cit., págs. 347 e segs.207 Alexandre Lobato, HISTÓRIA <strong>DO</strong> PRESÍDIO <strong>DE</strong> LOURENÇO MARQUES, Lisboa, 1949, pág. 110.208 In Andrade, ob. cit., pág. 452.E-BOOK CEAUP
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