José Capelada consideração soberana. No instante actual nada há tão ofensivo, comonão poderem os habitantes de Lisboa gozar dos frutos de Setúbal; nem ocomércio nacional ter, ao menos, as mesmas indulgências, que gozam osestrangeiros!» E anotavam os redactores do periódico:«Que os navios estrangeiros, v. g. os ingleses, levem os seus géneros,e manufacturas dos portos de Inglaterra para os de Portugal, e Brasil, eque dali carreguem para os seus portos, ou mesmo para quaisquer portosestrangeiros, os nossos géneros e manufacturas, facilmente se entende, queo podem fazer: mas que se lhe permita que eles carreguem em os nossosportos, e que vão descarregar em outros portos, igualmente nossos, osnossos próprios géneros; é o que se não pode entender, sem admitir, quese quer aniquilar a nossa navegação nacional, e comércio. Falemos claro:se não se põe termo a pretensões tão injustas, tão impolíticas, e tão desonrosas,seremos, em pouco tempo, vassalos de Inglaterra: Portugal e seusvastos e importantíssimos domínios ultramarinos, se tornarão colóniasdos ingleses» (50) .A abertura dos portos brasileiros ao comércio internacional, isto é, aoda Inglaterra, em concomitância com o compromisso de Portugal colaborarna extinção do comércio de escravos, não só destrói o circuito fechado docomércio luso-brasileiro (51) como retira da competição o mercantilismomarítimo nacional, ainda nessa altura apoiado e subsistindo do tráfico deescravos. As duas decisões obtidas pelos ingleses da corte portuguesa noBrasil, estavam intimamente ligadas e visavam um mesmo objectivo (52) .3650 Idem, ibidem.51 Joel Serrão, <strong>DO</strong> SEBASTIANISMO AO SOCIALISMO EM PORTUGAL, Lisboa, 1973, pág. 42.Hobsbawm, ob. cit., pág. 51: «Dentro destas áreas (subdesenvolvidas) a Indústria britânica estabeleceuum monopólio através da guerra das revoluções de outros povos e da sua própria acção imperial.( ... ) A América Latina veio a virtualmente depender inteiramente das importações britânicasdurante as guerras napoleónicas e quando se separou da Espanha e de Portugal quase se tornou umadependência económica da Grã-Bretanha...».52 Marcello Caetano in PORTUGAL E O DIREITO COLONIAL INTERNACIONAL, Lisboa, 1948, pág. 43,considera a abertura dos portos como «o primeiro golpe profundo» no sistema do pacto colonial eatribui-o, na esteira de J. Lúcio de Azevedo, às dificuldades nacionais. Consideramos esta interpretaçãocomo unilateral e escamoteadora do verdadeiro significado do Pacto Colonial como sistema. Emnossa opinião, a prática expressa na formulação doutrinária do pacto passou antes a dispor de umamaleabilidade nova, sofrendo, entretanto, alterações profundas, sem jamais ter deixado de existir atéaos nossos dias. Em alguns aspectos, e em épocas posteriores, veio mesmo a afirmar-se de maneiraconvincente, se bem que, porventura, sob a capa de subtilezas de fácil desmontagem para uma análiseatenta.2007
As Burguesias Portuguesas e a Abolição do Tráfico de Escravatura, <strong>1810</strong>-<strong>1842</strong>O alcance do que se passava parece tê-lo captado um juiz do povo, o tanoeiroJosé de Abreu Campos, que na Junta dos Três Estados, mandada porJunot, a 22 de Maio do mesmo ano da abertura dos portos, suplica que as«nossas colónias fundadas por nossos avós, e com o seu sangue banhadas,sejam consideradas como províncias ou distritos, fazendo parte integrantedo Reino, para que seus representantes, desde já designados, achem com anossa organização social os lugares que lhes pertencem, logo que venhamou possam vir ocupá-los» (53) . O que Joel Serrão interpreta como sendo oliberalismo a apresentar «logo nos seus balbúcios, propósitos bem clarosde debelar a crise em que se debatia o tradicional sistema colonial» (54) .Por uma vez, o liberalismo, na sua expressão vintista, radicou muitodas suas motivações na sujeição nacional ao domínio inglês, daí arrancandouma consciência política, logo a seguir agudizada com a presença deBeresford e sua interferência na vida portuguesa, particularmente após asexecuções dos conspiradores de 1817. A abundante literatura anglófoba daépoca é a esse respeito esclarecedora. A regência do reino e Beresford «sedetestavam mutuamente agrediam-se pelas costas, e apenas se toleravampor necessidade» (55) . Ora, a revolução de 1820 foi, se não totalmente, de maneiraprevalecente, um levantamento contra o domínio inglês, pelo menosnas suas motivações próximas (56) . Os periódicos impressos no estrangeiro,entrados clandestinamente no país, e que muito contribuíram para o climaconspirativo, o «Campeão», o «Investigador», eram contra a regência e contraBeresford (57) . Foi assim que a reacção dos liberais de 1820 ao domínioinglês não se fez esperar: um decreto de 5 de Março de 1821 demitiu todosos oficiais ingleses e outro, de 14 de Julho do mesmo ano, revogou o de 5 deMaio de 1814, elevando a taxa aduaneira sobre a lã inglesa de 10 a 30 porcento «considerando os gravíssimos prejuízos que têm resultado à fazendapúbica e indústria nacional». Borges Carneiro comentava no Congresso:3753 Joel Serrão, ob. cit., pág. 45.54 Idem, ibidem.55 Rebello da Silva, ob. cit., pág. 50.56 DISCURSO <strong>DO</strong> SENHOR <strong>DE</strong>PUTA<strong>DO</strong> TEIXEIRA <strong>DE</strong> VASCONCELOS, in OS EXPLORA<strong>DO</strong>RESINGLESES EM ÁFRICA..., Lisboa, 1877, pág. 7: «Ninguém ignora que a revolução de 1820 foi feitaem parte para expulsar de Portugal os oficiais ingleses que comandavam o exército de que exerciaminfluência vigorosa no governo».57 Rebello da Silva, ob. cit., pág. 53. E pág. 67: «A revolução de 1820, na origem, exprimiu mais asantipatias e saudades do país do que as suas aspirações definidas e assentadas».E-BOOK CEAUP
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