José Capelaefeitos da convulsão projectada sobre estruturas sociais seculares sem que agrande burguesia estivesse em condições de dominar totalmente a situação,de imediato. Para isso, teria de aguardar ainda quase duas décadas.Admitida como irreversível a independência do Brasil, a partir de 1830,e crescentes os interesses europeus pela África, também entre nós a atençãorebocada se ia voltando para as colónias africanas. Em 1832, no preâmbulodo decreto n.º 40, de 30 de Julho (abolição das dízimas), Mouzinhoda Silveira escreve que «os portugueses se perseguem e se matam uns aosoutros por não terem entendido que o Reino, tendo feito grandes conquistasviveu mais de três séculos de trabalho dos escravos e que, perdidos osescravos, era preciso criar uma nova maneira de existência, multiplicandoos valores pelo trabalho próprio» (106) .Além da Inglaterra e da França, novas potências europeias apareciamvoltadas para a África (107) . Garrett, encarregado de negócios na Bélgica,para onde fora no Verão de 1834, tentara o estabelecimento de relaçõescomerciais com aquele país. Em fins de 1834, recebeu uma proposta do ministrodos Estrangeiras belga, que estaria disposto a facilitar a importaçãode produtos nossos contra a exportação de lanifícios, ferragens e carvão depedra. E ser-nos-iam concedidas facilidades especiais se lhes permitíssemosentrada nas colónias de tecidos que Garrett achava poderiam chegara Moçambique e Rios de Sena por metade do preço (108) .Em 1836, o rei Leopoldo quis mandar tropas a Lisboa em socorro daRainha e contra os setembristas, tendo em vista conseguir a hipoteca àBélgica de uma colónia, a título de indemnização (109) .62106 Vítor de Sá, A CRISE <strong>DO</strong> LIBERALISMO E AS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES DAS I<strong>DE</strong>IAS SOCIALISTASEM PORTUGAL (1820-1852), Lisboa, 1969, pág. 113.107 A Inglaterra viria, em 1885, a dispor de mais de metade do comércio de Moçambique e eram decapitais ingleses os transportes marítimos, fluviais e ferroviários daquela colónia. Oliveira Martins,PORTUGAL EM ÁFRICA cit., pág. 19.108 Almeida Garrett, POLÍTICA, vol. II, págs. 4 e segs. A 4 de Janeiro de 1830, o governo de Lisboa instruía ogovernador e capitão-general de Angola sobre o desvio do tráfego angolano para Lisboa. No seu n.º 5, asinstruções diziam: «O obstáculo porém a estas necessárias relações tem sido a falta dos retornos que pagassemos géneros importados em Angola, que obrigava a ultimar as especulações feitas sobre as praças de Luandae Benguela nas do Brasil pela importação que aí tenha a escravatura, o principal artigo das exportações deAngola». É preconizado o restabelecimento de uma Pauta de Alfândega com moderados direitos para osgéneros de importação» e sugerido o «comércio da courama», no sul. In Silva Rebelo, ob. cit., pág. 1.109 Victor de Sá, ob. cit., pág. 114. O biógrafo de Palmerston (Ridley, ob. cit., pág. 258) aponta comomotivo da iniciativa do rei belga, que os ingleses não avalizaram e por isso se não efectuou, a protecçãode seu sobrinho, o príncipe consorte Fernando.2007
As Burguesias Portuguesas e a Abolição do Tráfico de Escravatura, <strong>1810</strong>-<strong>1842</strong>Entre Março de 1826 (morte de D. João VI) e Julho de 1832 (desembarquede D. Pedro) tinham-se os liberais refugiado nos Açores. Aí iniciouMouzinho a redacção das leis que constituiriam o aparelho legal da caminhadarevolucionária. Mas se essas leis vieram a ter execução efectiva,nem por isso deixou de dar-se a readaptação de uma estrutura existenteaos novos figurinos exactamente porque estes tinham algo de mimetismoimportado mais do que exigência gerada em movimento dialéctico dentroda sociedade existente. Um exemplo frisante foi a passagem dos bens eclesiásticosexpropriados das mãos dos frades à posse dos barões, conformea expressão garreteana (110) . Isto é, a transferência dos principais meios deprodução de uma casta a outra, mantendo-se as relações de produção pré--existentes, se bem que dentro de uma nova ordem jurídica, nem sequergarantindo melhores relações de trabalho aos cultivadores da terra (111) .Sem pretendermos negar o alcance, a longo prazo, das medidas decretadaspor Mouzinho, achamos indispensável relevar estes aspectoscontraditórios da convulsão da sociedade portuguesa nos começos deoitocentos como elemento da maior importância para a colocação das classesdirigentes portuguesas, em si mesmas, e na sua capacidade de reacçãoperante a interferência britânica e perante os problemas internos da maioracuidade, a porem-se-lhes sucessivamente, nomeadamente os coloniais.Nestes, acontecia serem os governantes sistematicamente apanhados desurpresa e terem, em consequência, de responder-lhes em emergência,110 A compra, pelo visconde de Picoas, pelo próprio Mouzinho da Silveira e outros, das lezírias do Tejo eSado, foi objecto de grande controvérsia que levou a queda do Ministério Saldanha-Silva Carvalho.Victor de Sá, A REVOLUÇÃO <strong>DE</strong> SETEMBR0 <strong>DE</strong> 1836, Lisboa, 1969, pág. 21.Oliveira Martins, sobre o plano de Silva Carvalho para os bens nacionais, diz o seguinte: «Os bensnacionais seriam vendidos em praça; porque essa publicidade e uma legalidade aparente convinhampara ressalva; sem nada prejudicarem, pois a praça ficaria deserta por não haver dinheiro nem licitantes.Não havia dinheiro, é sabido; mas havia os papéis em poder dos clientes e esses papéis recebia-oso Tesouro como dinheiro. (...) Esses papéis eram os títulos de dívida pelo seu valor nominal, (umvalor fictício) eram o papel-moeda, os recibos de ordenado vencidos, os títulos de comendas e direitosde pescarias extintos; eram finalmente os róis de indemnizações por perdas e sacrifícios da guerra:papéis extravagantes, contos onde grã-capitães chegaram a somar por centenas de milhares de réisas ferraduras perdidas de cavalos mortos!». «A vitória do novo regime contribuía para que Portugalfosse uma nação de empregados públicos. A supressão dos conventos e outros factores diminuiu aprocura e a oferta da Igreja. A navegação estava suprimida por causas económicas anteriores. Astentativas manufactureiras de Pombal não tinham vingado», in PORTUGAL CONTEMPORÂNEO,Lisboa, 6ª.ed., 1925, págs. 10 e 31.111 Miriam Halpern Pereira, LIVRE CÂMBIO, cit. págs. 319 e segs.63E-BOOK CEAUP
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