José Capela124Não há dúvida que o aviso da cessação do tráfico de escravos por partedos brasileiros provocou grande perturbação em Moçambique, como nãopodia deixar de ser. O governador Brito dizia para Lisboa que Moçambiqueia ficar completamente arruinado, a menos que não se povoasse e fomentassea exploração das suas riquezas. Porque tudo estivera, até aí, dependentedo comércio da escravatura: «o qual atrai aos portos da capitania, navios,gente, dinheiro, géneros e transacções comerciais, por meio de tudo oque também se exportavam do país os géneros da sua produção e da suaindústria peculiar e se aumentavam muito as rendas reais» (248) .Por sua vez, o governador de Quelimane, dois meses antes, informava ogovernador-geral que, muito a seu desprazer, impedira a entrada à galera«Conde do Rio Pardo». Havia apenas uma embarcação a carregar escravosquando, na vila, havia mais de três ou quatro mil, sem ninguém queos comprasse. Não havia numerário porque todo tinha sido aplicado emfazendas que se destinavam à procura de mais escravos no interior, dadoque sendo o último ano em que o tráfico seria permitido, toda a gente tinhainvestido o máximo no negócio, na expectativa de um grande número debarcos que viriam ao porto. Falava de providências a tomar «quando não,adeus capitania dos Rios de Sena» (249) .Pela mesma altura a própria Fazenda Real, além dos governadores,funcionários públicos e magistrados, também ela não desdenhava donegócio. O próprio Miguel de Brito fretou o brigue estatal «D. Estevãode Ataíde» a um negreiro impossibilitado de navegar com o seu barco (250)tal como barcos de guerra que andaram no tráfico por conta da própriaFazenda. Foi o caso da charrua «Afonso de Albuquerque» que, numa alturaem que Moçambique se queixava da falta de barcos de guerra, estavaocupada no tráfico de escravos para o Brasil (251) . Fazia-o com autorizaçãoexpressa do governador de Goa e, alegava o governador de Moçambique,além do mais podia acontecer que a charrua viesse a ser interceptadapor uma embarcação dos patrulhas britânicos. Esse governador da Índia248 Gov.-Geral a Conde de Basto, 10/Jan./1830, A. H. U., Avs. de Moç., Maço 18.249 Cirne a Gov.-Geral, 21/Nov./1829, A. H. U., Avs. de Moç., Maço 18.250 Paulo de Brito a Conde de Basto, 10/Julho/1830, A. H. U., Moç., Maço 18.251 Gov.-Geral a Min. da Mar., 1829, A. H. U., Avs. de Moç., Maço 7.2007
As Burguesias Portuguesas e a Abolição do Tráfico de Escravatura, <strong>1810</strong>-<strong>1842</strong>recomendara o negócio ao de Moçambique, Xavier Botelho (252) . E a propósitoda questão levantada pelo facto de o «D. Estevão de Ataíde» ter chegadoao Rio carregado de escravos, o governador-geral diria ao ministroque quando a mesma embarcação fora mandada à ilha de Bourbon, duasvezes, «para fins que são bem notórios», não tinha isso feito em Lisboa nenhumestrépito, como também o não fizera o envio da fragata «Afonso deAlbuquerque», pelo vice-rei da Índia, a Moçambique, em 1828, a «carregarescravos por conta da Fazenda Real para os levar para o Rio de Janeiro,donde voltou por aqui» (253) .Além dos comerciantes sedeados nos portos moçambicanos e brasileiros,tomaram parte neste tráfico outros, da praça de Lisboa. Estes últimosdiluídos em sociedades com congéneres nas praças brasileiras e angolanas.Relativamente a Moçambique destacaria os casos de José Nunes da Silveirae de Vicente Tomás dos Santos. O primeiro manteve, a partir de finais doséculo XVIII, um comércio regular com praças como Bombaim e Macauassim como Moçambique onde fez tráfico de escravos (254) . O segundo, napeugada do primeiro, de cujos navios havia sido capitão, obteve, em sociedadecom Carlos João Baptista, por alvará de 19 de Julho de 1825, a formaçãoda Companhia do Comércio de Lourenço Marques e de Inhambane.A companhia obrigava-se a navegar um navio, de Lisboa para LourençoMarques, pelo menos uma vez por ano. O Silveira partiu de Lisboa coma primeira expedição, da qual faziam parte dois feitores, cinco caixeiros,três casais de homens oficiais, quatro degredados e vários empregados,tendo chegado a Lourenço Marques em 7 de Maio de 1826 (255) . Em 1832estava a queixar-se do governador e de todos os oficiais que obstavam aonegócio, tendo ele cinquenta contos de mercadoria imobilizados. Por suavez, o governador de Moçambique proibira a entrada no porto de qualquernavio e mandara que se evitasse embarcar escravos. E argumenta: «Nuncafoi proibido negociar a portugueses nos próprios domínios de V. Majestadeem escravatura, nem a mesma Inglaterra a isso se opõe dando uma prova125252 Gov.-Geral a Min. da Mar., 29/Março/1829, A. H. U., Avs. de Moç., Maço 7.253 Gov.-Geral a Min. da Mar., 8/Set./1831, A. H. U., Avs. de Moç., Maço 24.254 António Carreira, O Tráfico Português de Escravos na Costa Oriental Africana Nos Começos do SéculoXIX, Lisboa, 1977.255 Documentos sobre a Companhia, A. H. U., Avs. de Moç., Maço 1.E-BOOK CEAUP
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