José Capela16ter a sua fazenda «mui gasta» e eram numerosos os fidalgos a pediremautorização para se porem ao serviço de príncipes estrangeiros, incluindoseu irmão D. Fernando, por carência de «serviço» no reino (4) . Evitando umaenumeração minuciosa de casos, apenas outro, este do século XVIII: antesde D. Pedro Miguel Almeida Portugal deixar a Índia, em 1751, recebeuuma carta do filho D. João. Nessa carta referia-se o empenho dos Távoras,endividados, em irem para a Índia para reabilitarem a sua fortuna. E, defacto, um Távora sucedeu a D. Manuel no governo de Goa (5) .Uma vez a nobreza mercantilizada e os mercadores a buscarem, portodos os meios, integrar-se na casta nobre, temos, como realidade social,uma classe dominante integrada de mercadores-cavaleiros, cavaleiros--mercadores, fidalgos-negociantes e negociantes-enobrecidos, não setendo tornado fácil o aparecimento de uma burguesia autónoma, comvalores próprios (6) .Mas não só não se consolidou uma burguesia de negociantes, como seentrou no século XVII a sofrer os males provenientes, entre outras causas,da que se situava nas repercussões metropolitanas da acção colonial, oumelhor, dos negócios marítimos com base na Ásia, na África e no Brasil:uma sociedade carecida dos meios modernos de produção de subsistência,com redução do sector produtivo de base, e empoladas as classes não sónão participantes directas dessa produção como ainda beneficiárias dosexcedentes obtidos pelas classes trabalhadoras (7) .Hobsbawm (8) , relativamente aos fins do século XVIII e referindo genericamenteuma parte da Europa que inclui a Península Ibérica, afirma que,abaixo da grande aristocracia feudal, havia uma classe de gentlemen provincianosde envergadura e recursos económicos variáveis que explorava ocampesinato. Em alguns países, era esta classe desordenadamente grande,e portanto pobre e descontente; distinguia-se da classe não nobre pelos seusprivilégios e falta de inclinação para tarefas menos delicadas, tais como a4 Rui de Pina, CRÓNICA <strong>DE</strong> D. DUARTE, cap. XI.5 Manuel Artur Norton, D. PEDRO MIGUEL ALMEIDA PORTUGAL, Lisboa, 1967, pág. 177.6 Vitorino Magalhães Godinho, A ESTRUTURA DA ANTIGA SOCIEDA<strong>DE</strong> PORTUGUESA, Lisboa, 1971,pág. 84. Neste estudo fica bem evidenciado este aspecto específico da evolução das classes dominantesportuguesas que aqui referimos.7 Idem, pág. 88.8 E. J. Hobsbawm, THE AGE OF REVOLUTION-EUROPE 1789-1848, Londres, 1973, pág. 28.2007
As Burguesias Portuguesas e a Abolição do Tráfico de Escravatura, <strong>1810</strong>-<strong>1842</strong>de trabalhar!... Esta classe atingia em Espanha, em finais do século XVIII,quase o meio milhão de pessoas ou, em 1827, dez por cento do total da nobrezaeuropeia. Era a situação de Portugal, em grande parte, até 1820. Sóquem tivesse terras é que participava da classe dirigente com os privilégiossociais e políticos que levavam aos escalões do poder. O mesmo autor fazuma constatação da maior importância: é que em muitos locais da EuropaOcidental a ordem feudal, na sua maneira de pensar e de agir, mantinha-seviva ao mesmo tempo que se tornava economicamente obsoleta.Neste contexto, o senhorio foi impulsionado por uma lei análoga à docapitalismo, exigitiva da apropriação de quantidades crescentes de excedenteeconómico (9) . «O colonialismo de Espanha e de Portugal, em geral, ea escravatura nas plantações, em particular, proporcionaram o excedenteeconómico necessário para a estabilidade de uma classe dominante quecontinuava a ser essencialmente senhorial» (10) .As tentativas tendentes à alteração estrutural desta realidade anterioresao século XIX, ou seja, as teorias de «industrialização» de Duarte Ribeirode Macedo, em finais do século XVII, com a política manufactureira doConde de Ericeira e as reformas pombalinas, nem uma nem outra conseguiramconverter o antigo regime em um novo e, assim, quando o senhorioportuguês teve que evoluir para o capitalismo, a caminhada fez-se de umamaneira distorcida. Até meados do século XIX Portugal apresentaria, emgrande parte, o aspecto que Hobsbawm (11) chamaria de «economia feudalde negócios», combinando termos de conteúdo oposto.9 Genovese, ob. cit. pág. 88-9.10 Idem, ibidem. Segundo J. H. Parry, «nenhuma nação pode viver dos esforços dos dependentes noultramar sem desmoralização da sua vida social e pública. Não somente a coroa, mas também umalarga camada das classes oficiais na Espanha, acabaram por ver as Índias como fonte de sinecurase de fortuna fácil. Para classes mais baixas, o conquistador forneceu um exemplo excitante masdesmoralizador da maneira como as armas podiam dispensar um homem do trabalho. Por todosestes processos, a sociedade de conquista na América encorajou o crescimento de uma sociedade dedependência parasitária na Espanha». In THE SPANISH SEABORNE EMPIRE, Pelican Books, 1973,pág. 101.11 In E. Genovese, ob. cit., pág. 122. É o que Armando Castro traduz por estas palavras: «...o certo éque as estruturas básicas da sociedade portuguesa herdadas da Idade Média se mantiveram, comparticularidade de a feição global apresentar a característica inédita da imbricação dum modo deprodução interno de carácter feudal com a acção de relações de tipo capitalista, sobretudo vincadasà medida que na empresa económica em terras de além-mar e no seu comércio penetravam inglesese holandeses». In ESTU<strong>DO</strong>S <strong>DE</strong> HISTÓRIA SÓCIO-ECONÓMICA <strong>DE</strong> PORTUGAL, Porto, 1972, pág.149.17E-BOOK CEAUP
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