José Capela162da Bandeira recusou até ao fim as versões inglesas dos tratados alegando,entre outras coisas, a impossibilidade de conter «os homens do país, osmais ricos e influentes, como também os mais eminentes da classe opostaà abolição daquele tráfico ...», (327) que eram os negreiros africanos. Mal secompreenderia, de outra maneira, que Sá da Bandeira se furtasse sistematicamenteàs versões inglesas, nomeadamente, senão principalmente,por causa da oposição das classes esclavagistas nacionais, e contra elasfosse publicar um decreto, sem concessões. O próprio Walden, em correspondênciapara Palmerston de 20 de Março de 1838, confirmava ter-lheSá da Bandeira declarado que enfrentava dificuldades insuperáveis emaceitar o artigo que deveria qualificar de pirataria o tráfico da escravatura.E isto porque «nenhum ministro no momento actual podia aventurarou contrair uma obrigação para fazer passar uma tal lei, conhecendo ossentimentos que existem no país acerca do tráfico dos escravos; ao passoque uma indiferença total era característica dos sentimentos da maiorparte daqueles onde o governo deve buscar apoio contra as maquinaçõesdos advogados do tráfico dos escravos…» E é o próprio Sá da Bandeira quediz ter publicado o Decreto no sentido de se antecipar ao governo inglês:«Firme nestes princípios preveniu mesmo o Governo de Sua Majestade osdesejos do Gabinete Britânico, proibindo totalmente, e debaixo de severaspenas, aquele tráfico em todos os Domínios Portugueses pelo Decreto de10 de Dezembro de 1836...» (328) .Assim sendo, põe-se de imediato outro problema: quem era, efectivamente,que se opunha à extinção do tráfico? Quanto às colónias africanas jávimos, abundantemente, quem era. E em Lisboa? Este problema alarga-separa aquele outro, que é o de saber se a burguesia nacional estava ou nãopor detrás de um projecto colonial susceptível de recuperar em África o queestava a perder no Brasil. Isto é, se o queria e podia fazer. Quanto a estasegunda parte, julgamos ter ficado suficientemente esclarecido ter ela, nosperíodos imediatamente subsequentes à Revolução de 1820, permanecidoainda e sempre na expectativa dos mercados brasileiros e quase completamentedesinteressada de África. E nos finais de 30? Nada nos permite327 Sá da Bandeira a Walden, 22/Maio/1838, In Documentos acerca do tráfico, cit., pág. 38.328 Idem, ibidem; sublinhado nosso.2007
As Burguesias Portuguesas e a Abolição do Tráfico de Escravatura, <strong>1810</strong>-<strong>1842</strong>afirmar que a burguesia portuguesa até à Regeneração, bloqueada pelosproblemas internos, nostálgica do Brasil, alimentasse qualquer projectoconsequente para as colónias africanas. No estádio actual da investigação,o que se pode dizer é que, exceptuando uma ou outra iniciativa tímida, e aformulação de algumas intenções generosas e ideais, a burguesia nacionalse manteve divorciada de África.Por outro lado, algum tipo de ligações se manteria entre capitalistasmetropolitanos e o tráfico da escravatura. Nas pesquisas aturadas, emboralonge de exaustivas, a que procedemos, não encontrámos qualquer indicaçãoconcreta de traficantes directos de escravatura sedeados em Portugal.Não tendo em conta aqueles que regressaram a Portugal, expulsos apósa abolição e mantendo no Rio de Janeiro as suas casas comerciais. Mas aimprensa da época acusa veementemente a existência, em Portugal, dapersistência do tráfico em que estariam envolvidos políticos. Nas primeirasdécadas de oitocentos, em Lisboa, subsistia um poderoso interesseno tráfico da escravatura» (329) . Sá da Bandeira confirma que os principaiscentros «especuladores” do tráfico eram Havana, Rio de Janeiro, NovaIorque, Nova Orleans, Lisboa, Cádis, Barcelona e outras mais praças. O seudecreto de abolição tinha sido «mal recebido nas colónias que exportavamescravos e fortemente contrariado pelos especuladores» (330) . Quererá istodizer que os traficantes propriamente ditos estavam sedeados no Brasile na África, sendo apoiados de Lisboa por capitais eventualmente interessadosno negócio, e certamente por um lobby político? Como vimos,entre os deputados coloniais contavam-se negreiros notórios. De resto,há a ter em conta que já no século XVIII os negreiros da Baía tudo faziampara impedir a intromissão dos capitalistas lisboetas no negócio altamentelucrativo dos escravos (331) .O próprio brigadeiro Marinho, que não se cansa de acusar a conivênciapolítica de Lisboa com os negreiros, afirma peremptoriamente que desse163329 Leslie Bethell, ob. cit., pág. 99.330 Sá da Bandeira, LETTRE ADRESSÉE AU COMTE <strong>DE</strong> GOBLET D’ALVIELLA, Lisboa, 1870, pág. 21. Omesmo Sá da Bandeira, em outro lado, diz não conhecer «em Portugal pessoa alguma que se ocupasseno tráfico. E que o próprio governo britânico jamais tinha acusado qualquer português residente emPortugal. A única suspeita levantada respeitava a uma sociedade de estrangeiros estabelecidos emLisboa. In Tráfico, cit., pág. 25.331 António Carreira, COMPANHIAS POMBALINAS, cit. pág. 186.E-BOOK CEAUP
- Page 1:
EDIÇÕESELECTRÓNICASCEAUPAS BURGU
- Page 5 and 6:
AS BURGUESIAS PORTUGUESASE A ABOLI
- Page 7:
ÍNDICEPREFÁCIO 9INTRODUÇÃO 111.
- Page 12 and 13:
José Capela12Estudar, pois, a abol
- Page 15 and 16:
As Burguesias Portuguesas e a Aboli
- Page 17 and 18:
As Burguesias Portuguesas e a Aboli
- Page 19 and 20:
As Burguesias Portuguesas e a Aboli
- Page 22 and 23:
José Capela22da tal ordem senhoria
- Page 24 and 25:
José CapelaCom a extinção das co
- Page 26 and 27:
José Capela26defrontavam em Portug
- Page 28 and 29:
José Capelaexpansão que dela se p
- Page 30 and 31:
José CapelaOra, a primeira de toda
- Page 32 and 33:
José Capela32retirada dos monopól
- Page 34 and 35:
José CapelaSe pode aceitar-se como
- Page 36 and 37:
José Capelada consideração sober
- Page 38 and 39:
José Capela38«Tolos eram os portu
- Page 40 and 41:
José Capelapronto, e que era miste
- Page 42 and 43:
José Capela42comércio legítimo n
- Page 44 and 45:
José Capelaem que este comércio d
- Page 46 and 47:
José Capela46Porto do que em Lisbo
- Page 48 and 49:
José Capela48metrópole» (81) . M
- Page 50 and 51:
José Capela50momentâneo bem da ag
- Page 52 and 53:
José Capelado tráfico da escravat
- Page 54 and 55:
José Capela54que o tráfico da esc
- Page 56 and 57:
José Capela56Mas os brasileiros ta
- Page 58 and 59:
José Capela58a sair em navios port
- Page 60 and 61:
José Capelaprojecto para proibiç
- Page 62 and 63:
José Capelaefeitos da convulsão p
- Page 64 and 65:
José Capelaexactamente porque não
- Page 66 and 67:
José Capela66milícia, no comérci
- Page 68 and 69:
José Capela68extremamente diversif
- Page 70 and 71:
José Capela70da proibição que im
- Page 72 and 73:
José Capela72desenganar aos comiss
- Page 74 and 75:
José Capela74que puderam reduzir a
- Page 76 and 77:
José Capela76As posições políti
- Page 78 and 79:
José CapelaFoi sugerido que uma da
- Page 80 and 81:
José Capela80O próprio Sá da Ban
- Page 82 and 83:
José Capela82limitando a observaç
- Page 84 and 85:
José Capela84se viam pequenos cobe
- Page 86 and 87:
José Capela86netos, e a sua fortun
- Page 88 and 89:
José Capela88de 150 a 200 pessoas,
- Page 90 and 91:
José Capela90medida havia de traze
- Page 92 and 93:
José CapelaOutro índice significa
- Page 94 and 95:
José Capela94senhores. Conquista q
- Page 96 and 97:
José Capela96Como a transmissão d
- Page 98 and 99:
José Capela98com que se divertiam
- Page 100 and 101:
José Capela100de escravos em grand
- Page 102 and 103:
José Capela102populações dominad
- Page 104 and 105:
José Capela104militarmente aqueles
- Page 106 and 107:
José Capela106economicamente. A au
- Page 108 and 109:
José Capela108capitão-general Dav
- Page 110 and 111:
José Capela110O mesmo governador,
- Page 112 and 113: José Capela112eram dos mais ricos
- Page 114 and 115: José Capela114Estamos portanto dia
- Page 116 and 117: José Capela116O que aproveitava, s
- Page 118 and 119: José Capela118todos os navios da m
- Page 120 and 121: José Capela120enriquecer rapidamen
- Page 122 and 123: José Capelatem ido deste país par
- Page 124 and 125: José Capela124Não há dúvida que
- Page 126 and 127: José Capela126disso o mesmo govern
- Page 128 and 129: José Capela128para fazer o contrab
- Page 130 and 131: José Capela130Ocidental apenas um
- Page 132 and 133: José Capela132Esta narrativa deixa
- Page 134 and 135: José Capela134de que Cirne o acusa
- Page 136 and 137: José Capela136sindicância, porque
- Page 138 and 139: José Capela138Foi assim que o mini
- Page 140 and 141: José Capela140atribui às pressõe
- Page 142 and 143: José Capela142ocaso do capitão Al
- Page 144 and 145: José Capela144porque em Moçambiqu
- Page 146 and 147: José Capela146no tráfico da escra
- Page 148 and 149: José Capela148fronteiro à Ilha de
- Page 150 and 151: José Capela150artigos adicionais s
- Page 152 and 153: José Capela152vitória. E quando f
- Page 154 and 155: José Capela154Os ingleses, que já
- Page 156 and 157: José Capela156intervir no tráfico
- Page 158 and 159: José Capela158domínios portuguese
- Page 160 and 161: José Capela160Inglaterra disposta
- Page 164 and 165: José Capela164negócio nada aprove
- Page 166 and 167: José Capela166de D. João VI inter
- Page 168 and 169: José Capelacomércio britânico, a
- Page 170 and 171: José Capela170nesta verba débitos
- Page 172 and 173: José Capelaeconómico dos dois pa
- Page 174 and 175: José Capela174Os projectos, tímid
- Page 176 and 177: José Capela176em nova era. O que a
- Page 178 and 179: José Capelaesclavagistas e dadas a
- Page 180 and 181: José Capela180algodão, para o qua
- Page 182 and 183: José CapelaANEXOSCOMPRA DE UM ESCR
- Page 184 and 185: José Capela184CIRNE, Manuel Joaqui
- Page 186 and 187: José CapelaRESULTADO DOS TRABALHOS
- Page 188 and 189: José Capela188AZEVEDO, Julião Soa
- Page 190 and 191: José Capela190GOMES, Marques - LUC
- Page 192: José Capela192SANCEAU, Elaine - D.