José Capela106economicamente. A autonomia administrativa que lhe foi dada foi explicadapela decadência total em que se encontrava mas pode, afoitamente,afirmar-se que se integrava na reformulação do sistema colonial portuguêsempreendida por Pombal, centralizando toda a produção no Brasil, e subordinando-lheAngola e Moçambique como fornecedoras de mão-de-obra.O que não era exequível relativamente a Moçambique, na situação em quese encontrava, em total dependência de Goa. Moçambique só podia prosperar,e também só podia integrar-se no todo do sistema, com o papel quelhe era atribuído, liberta de tal subordinação. Nas célebres instruções paraa administração de Moçambique, de 1761, eram apresentados como causaprincipal de decadência do seu comércio «os ganhos comerciais originariamenteavultados». Havia lucros da ordem dos 400 a 600 por cento. E quembeneficiava de ganhos de tal ordem eram os influentes junto do governo deGoa, com os monopólios por tal meio obtidos, levando para Diu ou Damão omarfim de Moçambique. Já referimos as grandes fortunas de goeses feitas nocomércio de Moçambique. Também assim se explica o domínio do comérciomoçambicano, nomeadamente nos portos, por baneanes e orientais. Até meadosdo século XVIII, Moçambique não dispunha nem sequer de navegaçãocosteira suficiente. Os navios que regressavam da Índia, em Fevereiro ouMarço, ficavam na costa, na cabotagem e comércio respectivo, até Agosto,altura de regressarem a Lisboa. As mesmas instruções de 1761, obrigando apassar pela ilha capital todo o movimento comercial e dando o monopóliodo comércio costeiro aos comerciantes e armadores da Ilha de Moçambique,tinha como finalidade aí criar um grupo de comerciantes financeiramentepoderoso (203) . Em 1767, na ilha, havia apenas cinco barcos particulares e doisbarcos do Estado que, postos à venda, não tiveram compradores. O governadorPereira do Lago, dada a escassez de capital, a falta de materiais, a vidapouco regrada dos habitantes e o seu endividamento, tanto na capital comonos restantes portos, não via possibilidade de a iniciativa privada armar anavegação costeira e manter a cabotagem. Segundo ele, havia na ilha apenastrês habitantes abastados: um com o valor de mais de 100 000 cruzados, osoutros dois dispondo, quanto muito, de 50 000 cruzados cada.203 Fritz Hoppe, A ÁFRICA ORIENTAL PORTUGUESA NO TEMPO <strong>DO</strong> MARQUÊS <strong>DE</strong> POMBAL, 1750-1777, Lisboa, MCMLXX, págs. 229 e segs.2007
As Burguesias Portuguesas e a Abolição do Tráfico de Escravatura, <strong>1810</strong>-<strong>1842</strong>A 7 de Maio de 1761, foram levantados todos os impedimentos existentesà escala dos portos de Moçambique e de Luanda e as mesmas embarcaçõesque fossem a esses portos podiam, igualmente, ir aos da Baía e doRio de Janeiro, no regresso à Metrópole. Era, a tentativa de criar centroscomerciais sólidos nas capitais das duas costas, o mesmo é que dizer, proporcionara criação de burguesias comerciais capazes de acumulação decapital, e pô-las a funcionar em sintonia com o desenvolvimento da produçãobrasileira, no todo mais vasto do sistema colonial português. Em1786, porém, voltaria a tentar-se a revitalização do comércio entre a Índiae Moçambique, com a autorização aos navios saídos de Goa, Damão e Diude fazerem comércio directo com os portos de Moçambique. Nos vinte anosque tinham medeado, não fora possível criar a burguesia mercantil comcapacidade para armar a navegação costeira suficiente (204) .De facto, eram baneanes e não portugueses que dominavam o grandee o pequeno comércio de Moçambique. Isto nos séculos XVII e XVIII.Comerciantes de grosso trato, retalhistas e artífices, os baneanes dominaramdurante séculos o giro comercial não apenas dos portos, mas tambémpara o interior. Como as mercadorias de troca vinham da Índia, eram elesos seus consignatários em Moçambique. Os pequenos comerciantes dependiamdeles inteiramente e junto deles se endividavam de tal maneira queos baneanes se tornaram facilmente os grandes proprietários dos bens deraiz nas terras em frente à Ilha de Moçambique, Mossuril e Cabaceiras. Em1759, mais de duzentos baneanes exerciam a sua actividade na Ilha. E noano anterior tinham sido tomadas as primeiras medidas administrativascontra esta supremacia. É que, uma vez livre o comércio em toda a ÁfricaOriental para os súbditos indo-portugueses, os baneanes, que até 1757 setinham limitado à Ilha, passaram a operar no interior. Como, por outrolado, vendiam aos seus conterrâneos as mercadorias para o retalho emmelhores condições que o faziam aos cristãos, e dispondo ainda de mercadoresvolantes, a casta não só dominava todo o comércio, de grosso e deretalho, como o de exportação, que incluía escravos, marfim, ferro e produtosagrícolas. Foi assim que, por iniciativa da Santa Casa da Misericórdia, o107204 Idem, págs. 170 e segs. Nas págs. 176 e segs. vem pormenorizada descrição do predomínio da castamercantil dos baneanes no comércio de Moçambique e dos mecanismos que utilizava para a suaprevalência.E-BOOK CEAUP
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