José Capela82limitando a observações superficiais, Tams não somente enumera, quaseum a um, os principais negociantes como descreve, pormenorizadamente,o seu carácter e mentalidade, assim como nos retrata, em todos os aspectos,as sociedades locais. Essa excursão foi organizada por Ribeiro dos Santos,cônsul português em Anona, na Primavera de 1841. Era constituída por seisnavios carregados das mais diversas mercadorias europeias, para europeuse africanos. Entre outras, pólvora, armas ofensivas de todas as qualidades,ferramentas, fazendas, sapatos, chapéus, etc., etc. Um dos navios ia carregado,do Porto, inteiramente com vinhos portugueses. A excursão provocouo maior espanto e inveja na Europa, até porque ninguém acreditava queos seus custos pudessem ser reavidos a não ser com o tráfico da escravatura.Acontecia porém, segundo o prefaciador do livro, H. Evans Lloyd, queRibeiro dos Santos era anti-esclavagista pelo que era odiado pelos traficantesde Angola, aos quais não poupava críticas. Estes traficantes, segundo Lloyd,eram «...indivíduos, muitos dos quais não são naturais de Portugal, mas quetêm sido mandados de Portugal para aquelas colónias cumprir degredos,muitas das vezes por crimes horrendos: que eles não se acham sujeitos ainspecções, ou restrição alguma - mas em plena liberdade para dedicaremtodas as suas diligências a um único fim - a rápida aquisição de riquezas:- que é unicamente o tráfico da escravatura, que faz paralisar todas as tentativade melhoramento nas ilimitadas vantagens comerciais que podiamcolher-se da infinita variedade, e excelência das produções do país».Logo em Cabo Verde, Tams anotou que a cultura do anil fora aí empreendidapela primeira vez no século XVII. «Porém, a indústria dos indígenasestagnou por causa do tráfico da escravatura; porque em toda a parte ondeexistir este nefando tráfico todos os outros negócios se abandonam». Contao caso de Luís Marim, de Turim, que em 1825 se estabelecera na ilha deSanto Antão, com privilégios especiais, para reavivar a manufacturação doanil. «Ofuscado, porém, com as vantagens do comércio na costa do mesmocontinente, brevemente deixou esta ilha e foi para o Senegal; onde colheuefectivamente muito maior lucro do comércio da escravatura, do que lhepoderia resultar da cultivação desta proveitosa planta».Em 1841, na ilha de Santo Antão, havia apenas dois comerciantes europeus:o sr. Fonseca, agente do comerciante que promovera a viagem, eum jovem Burnay. Este, educado em Estrasburgo e Paris, preferia a ilha às2007
As Burguesias Portuguesas e a Abolição do Tráfico de Escravatura, <strong>1810</strong>-<strong>1842</strong>cidades europeias. Fonseca embarcou logo para Benguela ou Luanda e «otema que absorvia todas as suas conversações durante a nossa subsequenteviagem, era unicamente a riqueza; e ele se deleitava contando-nos algumasanedotas, comprovando o pouco apreço que faziam no Congo do ouro; e afacilidade com que ele se podia adquirir ali». Por isso, mal desembarcadoem Angola, logo se engajou no tráfico da escravatura.Na costa de Benguela, era a desolação. E «dentro da cidade havia duasgrandes praças quadradas, com desoladora aparência e pouca claridade,por serem cercadas por aqueles muros, tendo apenas mui poucas casas deeuropeus. Neste sítio, via-se uma falta total de animação, apenas vivificadapelo tinir das cadeias dos condenados, pela voz do seu comandante, e pelamonótona reverberação das suas cavadelas nos trabalhos forçados. Estescondenados andavam, pela maior parte, encadeados em porções de cincoou seis, e iam parando aqui e ali, aplanando o caminho com enxadas, earrancando a vegetação nociva, dirigidos nestes trabalhos por um soldadoarmado de sabre. Só aos infelizes escravos, legítimos senhores do terreno,lhes é negado repouso pelos seus cruéis possuidores europeus, naquele tempo,em que a natureza mesmo o parece ter determinado. Naquele mórbidosilêncio do meio dia, se ouviam ignominiosamente tinir as cadeias dos queiam passando pelo seu penoso caminho, acarretando água do distante rioCatumbela, ou fazendas da costa do mar. Estes míseros entes, presos aosoito-dez e até aos quinze à mesma cadeia, apresentavam um quadro damais lastimosa miséria. ( ... ) Alguns pareciam já acostumados à sua actualcondição, não sendo ainda provavelmente aquela em que eles teriam depermanecer; porque os seus avarentos possuidores tão depressa os compravamcomo procuravam dispor deles por um preço mais subido. Outros, quedesde longo tempo tinham vivido na escravidão, pareciam resignados coma sua sorte desnatural; mas os seus corpos apresentavam provas evidentesdo bárbaro tratamento que haviam sofrido; e meio mortos de fome, ouquase reduzidos a esqueletos, traziam muitas vezes nas costas nuas os sinaispositivos da tirania dos seus possuidores. Entremos, porém, nos pátiosdeles que a pintura se tornará ainda mais medonha. Estes pátios, que eramgeralmente de sessenta pés quadrados, frequentemente continham centoe cinquenta e duzentos negros. No meio desta massa de seres humanos, amiúdo se encontravam porcos e cabras, e para protecção destes animais83E-BOOK CEAUP
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