José Capela88de 150 a 200 pessoas, a maioria negros livres. O governo português nãotinha qualquer domínio neste território pelo que não havia a mais pequenarestrição naquele infame tráfico, tratando cada um do negócio de escravosfranca e abertamente como lhe aprazia».As longas transcrições e referências a Tams consideramo-las inteiramentejustificadas pelo rigor com que nos transmite o estádio de um tipo especialde sociedade escravocrata no início da década de quarenta, exactamentequando ela, caminhando para o fim, subsistia à custa da clandestinidadedo seu tráfico. Há características da classe em causa que, sendo clássicas,estão aí perfeitamente desenhadas. Enquanto os brasileiros, com razão ousem ela, podem vangloriar-se de a sua colonização ter sido feita a partirdas grandes plantações de açúcar, aristocraticamente, «não em grupos aesmo e instáveis», mas «em casas grandes de taipa ou de pedra e cal, nãoem palhoças de aventureiros» (162) , na costa de Angola foi exactamente ocontrário. Aquilo que o mesmo autor diz que não aconteceu no Brasil, pelomenos sob forma dominante, foi exactamente o que aconteceu em Angola:«A colonização por indivíduos - soldados de fortuna, aventureiros, degredados,cristãos novos fugidos à perseguição religiosa, náufragos, traficantesde escravas, de papagaios e de madeira - quase que não deixou traço naplástica económica do Brasil. Ficou tão no raso, tão à superfície e duroutão pouco que política e economicamente esse povoamento irregular e àtoa não chegou a definir-se em sistema colonizador» (163) . Em Angola, eramos traficantes de escravos criminosos, degredados e aventureiros. E foramestes, senhores todos poderosos até meados do século XIX, que dominarama economia e a política de Angola. Com a agravante de, a partir de <strong>1810</strong>,acossados pela ameaça da extinção do único ramo de negócio a que sededicavam, o terem passado a intensificar, para isso recorrendo aos meiosmais degradantes na manipulação das pessoas que eram a sua mercadoria.Não se criaram quaisquer relações de tipo patriarcal entre senhores e escravos,até porque não se tratava de uma classe senhorial. Meros agentes demercadorias em trânsito, faltava a estabilidade própria das plantações queinduzia relações de tipo paternalista. Cada escravo era uma peça a vender162 Gilberto Freire, CASA-GRAN<strong>DE</strong> & SENZALA, Lisboa, 1967 (?) pág. 29.163 Idem, pág. 31.2007
As Burguesias Portuguesas e a Abolição do Tráfico de Escravatura, <strong>1810</strong>-<strong>1842</strong>e a quantidade deles favorecia os métodos de violência adoptados. Peranteos quais, a perspectiva dos grandes lucros fáceis e a qualidade inerente àextracção social dos negreiros não punham qualquer entrave.À mentalidade decorrente de tal situação é fácil de imaginar, para aclasse esclavagista. Dela nos falam abundantemente os autores citados.E unanimemente. Mentalidade que subsistiria e da qual são conhecidasas sequelas que se projectaram até ao fim da época colonial. Por isso mesmo,«a abolição do tráfico da escravatura ocasionou um grave paroxismomercantil, como devia esperar-se em praças de comércio cujos moradoresquase que não sabiam dar outro emprego aos seus capitais: aterrados comeste golpe - para o qual aliás deviam estar preparados - uns retiraram-se daterra, levando consigo as suas grandes riquezas, - enquanto outros quiseramainda teimar na antiga carreira, arrostando os bloqueios e as severaspenas que a legislação novíssima impõe aos contrabandistas negreiros» (164) .Não sem que antes tivessem reagido de forma violenta contra a abolição,reacção que se prolongou no espaço e no tempo, como já referimos.Que a classe dominante prevaleceu com mentalidade e práticas esclavagistas,muito para depois da extinção do tráfico para as colóniasamericanas, testemunham-no muitos e variados factos. Em 14 de Julhode 1860, publicava-se em Luanda o seguinte anúncio: «Pela Secretariado Governo Geral se faz público que existem capturados nas localidadesabaixo mencionadas, os seguintes pretos: Cazengo-Mugisga, Rosa comcria, Calombe» (165) , etc. Em fins de 1861, era preso, em Moçâmedes, JoséCorreia da Corunjamba, por tráfico de escravos (166) . Mas isso não só nãosignificava que se estivesse a acabar com o tráfico como, ao contrário,quer dizer que prosseguia. Em 1864, era um relatório do Ministério doUltramar a queixar-se de que o tráfico de escravos persistia a enriqueceralguns negociantes «por mal do comércio lícito e das artes agrícolas» (167) .Em sessão de 17 de Maio de 1865, a Junta Geral de Angola votou contraa abolição da escravatura, tendo o seu presidente alegado que «esta89164 Lopes de Lima, cit. in Andrade Corvo, I, pág. 149.165 BOLETIM OFICIAL <strong>DE</strong> ANGOLA cit., in Gastão Sousa Dias, RELAÇÕES <strong>DE</strong> ANGOLA, Coimbra, 1934,pág. 83.166 Raul José Candeias da Silva, SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO <strong>DO</strong> DISTRITO <strong>DE</strong>MOÇAME<strong>DE</strong>S DURANTE O SÉCULO XIX, Lisboa, 1973, pág. 51.167 Andrade Corvo, ob. cit., vol. II, pág. 361.E-BOOK CEAUP
- Page 1:
EDIÇÕESELECTRÓNICASCEAUPAS BURGU
- Page 5 and 6:
AS BURGUESIAS PORTUGUESASE A ABOLI
- Page 7:
ÍNDICEPREFÁCIO 9INTRODUÇÃO 111.
- Page 12 and 13:
José Capela12Estudar, pois, a abol
- Page 15 and 16:
As Burguesias Portuguesas e a Aboli
- Page 17 and 18:
As Burguesias Portuguesas e a Aboli
- Page 19 and 20:
As Burguesias Portuguesas e a Aboli
- Page 22 and 23:
José Capela22da tal ordem senhoria
- Page 24 and 25:
José CapelaCom a extinção das co
- Page 26 and 27:
José Capela26defrontavam em Portug
- Page 28 and 29:
José Capelaexpansão que dela se p
- Page 30 and 31:
José CapelaOra, a primeira de toda
- Page 32 and 33:
José Capela32retirada dos monopól
- Page 34 and 35:
José CapelaSe pode aceitar-se como
- Page 36 and 37:
José Capelada consideração sober
- Page 38 and 39: José Capela38«Tolos eram os portu
- Page 40 and 41: José Capelapronto, e que era miste
- Page 42 and 43: José Capela42comércio legítimo n
- Page 44 and 45: José Capelaem que este comércio d
- Page 46 and 47: José Capela46Porto do que em Lisbo
- Page 48 and 49: José Capela48metrópole» (81) . M
- Page 50 and 51: José Capela50momentâneo bem da ag
- Page 52 and 53: José Capelado tráfico da escravat
- Page 54 and 55: José Capela54que o tráfico da esc
- Page 56 and 57: José Capela56Mas os brasileiros ta
- Page 58 and 59: José Capela58a sair em navios port
- Page 60 and 61: José Capelaprojecto para proibiç
- Page 62 and 63: José Capelaefeitos da convulsão p
- Page 64 and 65: José Capelaexactamente porque não
- Page 66 and 67: José Capela66milícia, no comérci
- Page 68 and 69: José Capela68extremamente diversif
- Page 70 and 71: José Capela70da proibição que im
- Page 72 and 73: José Capela72desenganar aos comiss
- Page 74 and 75: José Capela74que puderam reduzir a
- Page 76 and 77: José Capela76As posições políti
- Page 78 and 79: José CapelaFoi sugerido que uma da
- Page 80 and 81: José Capela80O próprio Sá da Ban
- Page 82 and 83: José Capela82limitando a observaç
- Page 84 and 85: José Capela84se viam pequenos cobe
- Page 86 and 87: José Capela86netos, e a sua fortun
- Page 90 and 91: José Capela90medida havia de traze
- Page 92 and 93: José CapelaOutro índice significa
- Page 94 and 95: José Capela94senhores. Conquista q
- Page 96 and 97: José Capela96Como a transmissão d
- Page 98 and 99: José Capela98com que se divertiam
- Page 100 and 101: José Capela100de escravos em grand
- Page 102 and 103: José Capela102populações dominad
- Page 104 and 105: José Capela104militarmente aqueles
- Page 106 and 107: José Capela106economicamente. A au
- Page 108 and 109: José Capela108capitão-general Dav
- Page 110 and 111: José Capela110O mesmo governador,
- Page 112 and 113: José Capela112eram dos mais ricos
- Page 114 and 115: José Capela114Estamos portanto dia
- Page 116 and 117: José Capela116O que aproveitava, s
- Page 118 and 119: José Capela118todos os navios da m
- Page 120 and 121: José Capela120enriquecer rapidamen
- Page 122 and 123: José Capelatem ido deste país par
- Page 124 and 125: José Capela124Não há dúvida que
- Page 126 and 127: José Capela126disso o mesmo govern
- Page 128 and 129: José Capela128para fazer o contrab
- Page 130 and 131: José Capela130Ocidental apenas um
- Page 132 and 133: José Capela132Esta narrativa deixa
- Page 134 and 135: José Capela134de que Cirne o acusa
- Page 136 and 137: José Capela136sindicância, porque
- Page 138 and 139:
José Capela138Foi assim que o mini
- Page 140 and 141:
José Capela140atribui às pressõe
- Page 142 and 143:
José Capela142ocaso do capitão Al
- Page 144 and 145:
José Capela144porque em Moçambiqu
- Page 146 and 147:
José Capela146no tráfico da escra
- Page 148 and 149:
José Capela148fronteiro à Ilha de
- Page 150 and 151:
José Capela150artigos adicionais s
- Page 152 and 153:
José Capela152vitória. E quando f
- Page 154 and 155:
José Capela154Os ingleses, que já
- Page 156 and 157:
José Capela156intervir no tráfico
- Page 158 and 159:
José Capela158domínios portuguese
- Page 160 and 161:
José Capela160Inglaterra disposta
- Page 162 and 163:
José Capela162da Bandeira recusou
- Page 164 and 165:
José Capela164negócio nada aprove
- Page 166 and 167:
José Capela166de D. João VI inter
- Page 168 and 169:
José Capelacomércio britânico, a
- Page 170 and 171:
José Capela170nesta verba débitos
- Page 172 and 173:
José Capelaeconómico dos dois pa
- Page 174 and 175:
José Capela174Os projectos, tímid
- Page 176 and 177:
José Capela176em nova era. O que a
- Page 178 and 179:
José Capelaesclavagistas e dadas a
- Page 180 and 181:
José Capela180algodão, para o qua
- Page 182 and 183:
José CapelaANEXOSCOMPRA DE UM ESCR
- Page 184 and 185:
José Capela184CIRNE, Manuel Joaqui
- Page 186 and 187:
José CapelaRESULTADO DOS TRABALHOS
- Page 188 and 189:
José Capela188AZEVEDO, Julião Soa
- Page 190 and 191:
José Capela190GOMES, Marques - LUC
- Page 192:
José Capela192SANCEAU, Elaine - D.