José Capela110O mesmo governador, no ano seguinte, e referindo-se aos moradores emgeral, taxa-os de preguiçosos, vivendo dos palmares e guerreando-se entresi por causa do negócio do marfim trazido até à costa, agora em totaldecadência. Decadência depois que chegaram a esta terra «os naturaisde Goa e os vadios desse reino, juntos com alguns filhos da terra, e todosviciosos, insolentes...» (209) .Pereira do Lago especifica que aos poucos portugueses com estabelecimentoe crédito faziam concorrência «imensos peralvilhos, naturais de Goa,os vadios desse reino», contraindo dívidas que jamais pagariam, ociosos,abandonando os ofícios e vivendo na preguiça, vícios e latrocínio (210) . Eraa qualidade da gente que dominava o comércio, como vimos, odiada dosportugueses e por isso tratada com exageros, certamente.Logo a partir do início da segunda metade do século XVIII, toda a vidado continente fronteiro à Ilha de Moçambique foi perturbada pelo factode os capitães-mores das terras firmes se terem dado à rapina de escravos.Assim, o grande régulo dos Macuas, Murimuno, impedia os Yao do interiorde atravessarem o seu território com escravos e víveres em direcção à costa,pelo que, em 1753, estava a ser guerreado pelo primeiro capitão-general deMoçambique, Mello e Castro. E não só este como outros chefes tradicionaismantiveram guerras com os portugueses até finais do século. Chegaram aatacar o Mossuril, mesmo defronte da capital, com milhares de homens (211) .Um viajante inglês que esteve na costa oriental da África nos anos de1809-<strong>1810</strong>, assistiu a uma feira onde estavam os Yao, vindos de 45 dias dejornada com uma cáfila de escravos. Especialmente mulheres que vendiamouro e dentes de elefante. Para a permuta estavam à venda bagatelas: sal,conchas, rosários de contas, tabaco, lenços pintados e panos grossos deSurat, «circunstância que prova bem a artificiosa política que os portugueseshão sempre tido neste género de negócio; porque de outra maneirahaveria sido impossível ter por tanto tempo conservado estes selvagensem uma ignorância tão proveitosa para os interesses coloniais». O mesmo209 A. H. U., Avulsos de Moçambique, Caixa 12, Pereira do Lago a Mendonça Furtado, 15/Agosto/1766.210 In Andrade, ob. cit., págs. 185-188.211 Jerónimo de Alcântara Guerreiro, EPISÓDIOS INÉDITOS DAS LUTAS CONTRA OS MACUAS NOREINA<strong>DO</strong> <strong>DE</strong> D. MARIA I, separata do Boletim da Sociedade de Estudos da Colónia de Moçambique,n.º 52, 1947.2007
As Burguesias Portuguesas e a Abolição do Tráfico de Escravatura, <strong>1810</strong>-<strong>1842</strong>viajante falava de «macuas (Yao) que formam espécie de povo mui valente,e de formas musculares mui robustas e atléticas, são com efeito muitoformidáveis, e constantemente fazem incursões no pequeno espaço doterritório que os portugueses possuem na costa. A sua inimizade é antiga,e deve confessar-se que nasce do mau comportamento que têm com elesos negociantes que lhes vão comprar escravos» (212) .Estava a dar-se a grande transformação no comércio de Moçambique,e transformação que iria atingir profundamente os próprios Prazos. Se ascondições criadas pelas medidas pombalinas não permitiram a formação,a curto prazo, de uma forte burguesia mercantil sedeada nos portos, elaacabaria por surgir, sob forma desarticulada embora, mais tarde, com osnegreiros. Já referimos o caso de um governador do Ibo que começara anegociar, em 1786, numa sociedade irregular que formara e que, além domarfim e das fazendas, transaccionava escravos. Mas antes disso, em 24 deAgosto de 1779, o ouvidor-geral Diogo Guerreiro de Aboim propôs à Rainhaa formação da Companhia da África Oriental com navios e uma força de2 500 homens, cujas acções de 200$000 réis seriam franqueadas a toda agente. Pela relação anexa à petição, das principais fortunas de portuguesesem Moçambique, vê-se que havia sete capitalistas: um com 200 000 cruzados,outro com 100 000, quatro com 60 000 e um com 50 000 (213) .A 15 de Maio de 1781 regressou a Moçambique a expedição que expulsarade Lourenço Marques os austríacos e outros estrangeiros. O comérciolocal tratou logo de se organizar para ir explorar o negócio que já antesfizera naquela baía. O provedor-mor da Fazenda, que acumulava as funçõesde juiz tesoureiro da Alfândega, propôs ao governador a arrematação deuma corveta para fiscalizar o comércio e o procurador da Coroa, irmão deum empresário da futura Sociedade de Comércio de Lourenço Marques,informou favoravelmente. Em Novembro do mesmo ano, baneanes requereramo monopólio do comércio de Lourenço Marques, para o queconstituíram uma sociedade com o capital de 60 mil cruzados. Os baneanes111212 VIAGEM A ABYSSINIA, COM A <strong>DE</strong>SCRIPÇAO <strong>DO</strong> INTERIOR <strong>DO</strong> PAIZ, EXECUTADA POR OR<strong>DE</strong>M<strong>DO</strong> GOVERNO BRITANICO NOS ANNOS <strong>DE</strong> 1809 E <strong>1810</strong>; E NA QUAL SE INCLUE HUMA RELAÇAO<strong>DO</strong>S ESTABELECIMENTOS PORTUGUEZES NA COSTA ORIENTAL <strong>DE</strong> AFRICA, etc., por HenriqueSalt, Londres, 1814, in INVESTIGA<strong>DO</strong>R PORTUGUEZ, Dezembro de 1814 e números seguintes.213 Alexandre Lobato, HISTÓRIA <strong>DO</strong> PRESÍDIO, cit., págs. 115 e segs.E-BOOK CEAUP
- Page 1:
EDIÇÕESELECTRÓNICASCEAUPAS BURGU
- Page 5 and 6:
AS BURGUESIAS PORTUGUESASE A ABOLI
- Page 7:
ÍNDICEPREFÁCIO 9INTRODUÇÃO 111.
- Page 12 and 13:
José Capela12Estudar, pois, a abol
- Page 15 and 16:
As Burguesias Portuguesas e a Aboli
- Page 17 and 18:
As Burguesias Portuguesas e a Aboli
- Page 19 and 20:
As Burguesias Portuguesas e a Aboli
- Page 22 and 23:
José Capela22da tal ordem senhoria
- Page 24 and 25:
José CapelaCom a extinção das co
- Page 26 and 27:
José Capela26defrontavam em Portug
- Page 28 and 29:
José Capelaexpansão que dela se p
- Page 30 and 31:
José CapelaOra, a primeira de toda
- Page 32 and 33:
José Capela32retirada dos monopól
- Page 34 and 35:
José CapelaSe pode aceitar-se como
- Page 36 and 37:
José Capelada consideração sober
- Page 38 and 39:
José Capela38«Tolos eram os portu
- Page 40 and 41:
José Capelapronto, e que era miste
- Page 42 and 43:
José Capela42comércio legítimo n
- Page 44 and 45:
José Capelaem que este comércio d
- Page 46 and 47:
José Capela46Porto do que em Lisbo
- Page 48 and 49:
José Capela48metrópole» (81) . M
- Page 50 and 51:
José Capela50momentâneo bem da ag
- Page 52 and 53:
José Capelado tráfico da escravat
- Page 54 and 55:
José Capela54que o tráfico da esc
- Page 56 and 57:
José Capela56Mas os brasileiros ta
- Page 58 and 59:
José Capela58a sair em navios port
- Page 60 and 61: José Capelaprojecto para proibiç
- Page 62 and 63: José Capelaefeitos da convulsão p
- Page 64 and 65: José Capelaexactamente porque não
- Page 66 and 67: José Capela66milícia, no comérci
- Page 68 and 69: José Capela68extremamente diversif
- Page 70 and 71: José Capela70da proibição que im
- Page 72 and 73: José Capela72desenganar aos comiss
- Page 74 and 75: José Capela74que puderam reduzir a
- Page 76 and 77: José Capela76As posições políti
- Page 78 and 79: José CapelaFoi sugerido que uma da
- Page 80 and 81: José Capela80O próprio Sá da Ban
- Page 82 and 83: José Capela82limitando a observaç
- Page 84 and 85: José Capela84se viam pequenos cobe
- Page 86 and 87: José Capela86netos, e a sua fortun
- Page 88 and 89: José Capela88de 150 a 200 pessoas,
- Page 90 and 91: José Capela90medida havia de traze
- Page 92 and 93: José CapelaOutro índice significa
- Page 94 and 95: José Capela94senhores. Conquista q
- Page 96 and 97: José Capela96Como a transmissão d
- Page 98 and 99: José Capela98com que se divertiam
- Page 100 and 101: José Capela100de escravos em grand
- Page 102 and 103: José Capela102populações dominad
- Page 104 and 105: José Capela104militarmente aqueles
- Page 106 and 107: José Capela106economicamente. A au
- Page 108 and 109: José Capela108capitão-general Dav
- Page 112 and 113: José Capela112eram dos mais ricos
- Page 114 and 115: José Capela114Estamos portanto dia
- Page 116 and 117: José Capela116O que aproveitava, s
- Page 118 and 119: José Capela118todos os navios da m
- Page 120 and 121: José Capela120enriquecer rapidamen
- Page 122 and 123: José Capelatem ido deste país par
- Page 124 and 125: José Capela124Não há dúvida que
- Page 126 and 127: José Capela126disso o mesmo govern
- Page 128 and 129: José Capela128para fazer o contrab
- Page 130 and 131: José Capela130Ocidental apenas um
- Page 132 and 133: José Capela132Esta narrativa deixa
- Page 134 and 135: José Capela134de que Cirne o acusa
- Page 136 and 137: José Capela136sindicância, porque
- Page 138 and 139: José Capela138Foi assim que o mini
- Page 140 and 141: José Capela140atribui às pressõe
- Page 142 and 143: José Capela142ocaso do capitão Al
- Page 144 and 145: José Capela144porque em Moçambiqu
- Page 146 and 147: José Capela146no tráfico da escra
- Page 148 and 149: José Capela148fronteiro à Ilha de
- Page 150 and 151: José Capela150artigos adicionais s
- Page 152 and 153: José Capela152vitória. E quando f
- Page 154 and 155: José Capela154Os ingleses, que já
- Page 156 and 157: José Capela156intervir no tráfico
- Page 158 and 159: José Capela158domínios portuguese
- Page 160 and 161:
José Capela160Inglaterra disposta
- Page 162 and 163:
José Capela162da Bandeira recusou
- Page 164 and 165:
José Capela164negócio nada aprove
- Page 166 and 167:
José Capela166de D. João VI inter
- Page 168 and 169:
José Capelacomércio britânico, a
- Page 170 and 171:
José Capela170nesta verba débitos
- Page 172 and 173:
José Capelaeconómico dos dois pa
- Page 174 and 175:
José Capela174Os projectos, tímid
- Page 176 and 177:
José Capela176em nova era. O que a
- Page 178 and 179:
José Capelaesclavagistas e dadas a
- Page 180 and 181:
José Capela180algodão, para o qua
- Page 182 and 183:
José CapelaANEXOSCOMPRA DE UM ESCR
- Page 184 and 185:
José Capela184CIRNE, Manuel Joaqui
- Page 186 and 187:
José CapelaRESULTADO DOS TRABALHOS
- Page 188 and 189:
José Capela188AZEVEDO, Julião Soa
- Page 190 and 191:
José Capela190GOMES, Marques - LUC
- Page 192:
José Capela192SANCEAU, Elaine - D.