José Capela70da proibição que impendia sobre os oficiais do governo de todo o comérciodirecto e indirecto, ou por entreposta pessoa, «não só entrou a negociarpara o sertão como outro qualquer mercador, mas contraiu uma sociedadecom António Martiniano, comprando ambos um navio, que publicamentetraziam no comércio» (123) . Com diversas protecções oficiais, fazia negóciode escravos em Benguela e Novo Redondo, associado a funcionários locais.Nas viagens, os barcos da sociedade negociavam com embarcaçõesestrangeiras, principalmente francesas. Conseguiu que o sogro, AntónioJosé da Costa, fosse a comandar a força de cem homens que iria descobrira foz do Rio Cunene. Este foi para as terras de sobas subjugados ondeos coagia à entrega de escravos, pontas de marfim e cera que mandava,em grande quantidade, para serem vendidos em Benguela. Contra issoprotestaram os povos e os negociantes de Benguela. Ao fim de dois anos etrês meses, o Costa foi mandado retirar e chegou a Benguela com mais deoitenta escravos, muito marfim e cera. Uma vez em Luanda, foi promovidoa sargento-mor e colocado no comando do forte do Penedo.Mello e Castro diz claramente que estes são meros exemplos de muitosoutros casos «que faziam um grande volume». E que mostravam com bastanteclareza quem eram os verdadeiros inimigos daquela Conquista. Esses«são os capitães-mores, tais como Luís Miranda, António José da Piedade,e outros semelhantes; são os encarregados de comissões ao sertão, taiscomo António José da Costa, e outros semelhantes; e são os denominadosnegociantes, que se destinam, e empregam no comércio do mesmo sertão,admitindo-se francamente sem o menor obstáculo, debaixo deste nome,os sujeitos mais abjectos de crédito e de verdade, e regularmente os maiscriminosos, para irem negociar com os miseráveis negros. Todos estes indivíduosnão tendo em vista mais que a sua insaciável ambição, antes de partirpara os seus destinos, procuram deixar em Luanda protectores e defensoresdas iniquidades e, munidos com tais escudos, logo que chegam ao sertãoentram livremente a praticá-las, cada um por seu diferente modo; sendo osmiseráveis negros os infelizes objectos, a quem todas elas se dirigem» (124) .123 Idem, ibidem. A págs. 54: «...se recebiam, aqui por outras partes, sucessivas notícias do extenso elucrativo comércio, que os seus familiares e aderentes (do antigo barão de Moçâmedes) faziam, eem que se interessavam... ».124 In idem, pág. 49.2007
As Burguesias Portuguesas e a Abolição do Tráfico de Escravatura, <strong>1810</strong>-<strong>1842</strong>Se aí fica claramente retratada toda uma espécie de gente, os negociantesno sertão, assim como as suas ligações com as autoridades e osnotáveis da capital, fica igualmente descrita a relação directa que estesnegreiros estabeleciam com as populações locais e com os escravos. Eram,incontestavelmente, relações da maior violência física e moral criando ototal desprezo de uma raça por outra. Por isso também, a resposta era ade total afastamento por parte das populações espoliadas e escravizadas.Mello e Castro não só o percebeu inteiramente, como identificou, na classeescravocrata de tal tipo, governantes, comandantes e negociantes (125) .Para finais do século XVIII temos um outro testemunho pormenorizadosobre a maneira como era feita a escravatura em Angola. O de Luís Antóniode Oliveira Mendes, apresentado à Academia das Ciências, em 1793 (126) . Alise podem ver, minuciosamente descritos, os trâmites por que passava umpreto desde que era feito escravo até chegar ao seu destino. E todos os maustratos a que era sujeito e que dizimavam muitos deles. Obtidos no sertãopor funidores ou tumberos, «pretos livres, que vivem, e andam no tráfico depermutar escravos nos sertões e presídios, que eles levam, e transportamem o seu comboio, que se compõe de perto de cem pretos carregados»,é o trajecto de meses até à costa, sempre amarrados, sofrendo a fome, ainclemência do clima, os castigas corporais, a que grande parte não resiste.Uma vez nos portos, dá-se a segunda permuta dos escravos «por fazenda,e géneros a comerciantes, que ali têm casa de negócio assentada para estefim». Estes comerciantes retinham a mercadoria nas piores condições: nus,com alimentação péssima e escassa, entregando-os finalmente aos capitãesdos navios. «Nesta situação, e economia se conserva por semanas, e pormeses a escravatura, e é grande a quantidade dela que morre; de sorte quedescendo a Luanda em cada ano de dez a doze mil escravos, muitas vezessucede, que só chegam a ser transportados de seis a sete mil para o Brasil.Entrando-se neste cálculo por toda a costa de Leste, ele não é bastante para71125 In idem, pág. 53: «Sendo certo que enquanto os miseráveis negros forem tratados, com as iniquidadesque ficam acima indicadas, e outras semelhantes assim dá parte dos que os governam, ou comandam,como dos que negoceiam com eles, nem nos sertões de Angola e Benguela se poderão jamais extinguiros rebeldes, nem os negros deixarão de fugir, do nosso opressivo, e doloso comércio, buscando-o dosestrangeiros; nem o domínio português deixará de lhe ser cada vez mais odioso e intolerável».126 Publicado recentemente in MEMÓRIA A RESPEITO <strong>DO</strong>S ESCRAVOS E <strong>TRÁFICO</strong> DA <strong>ESCRAVATURA</strong>ENTRE A COSTA D’ÁFRICA E O BRASIL, Porto, 1977.E-BOOK CEAUP
- Page 1:
EDIÇÕESELECTRÓNICASCEAUPAS BURGU
- Page 5 and 6:
AS BURGUESIAS PORTUGUESASE A ABOLI
- Page 7:
ÍNDICEPREFÁCIO 9INTRODUÇÃO 111.
- Page 12 and 13:
José Capela12Estudar, pois, a abol
- Page 15 and 16:
As Burguesias Portuguesas e a Aboli
- Page 17 and 18:
As Burguesias Portuguesas e a Aboli
- Page 19 and 20: As Burguesias Portuguesas e a Aboli
- Page 22 and 23: José Capela22da tal ordem senhoria
- Page 24 and 25: José CapelaCom a extinção das co
- Page 26 and 27: José Capela26defrontavam em Portug
- Page 28 and 29: José Capelaexpansão que dela se p
- Page 30 and 31: José CapelaOra, a primeira de toda
- Page 32 and 33: José Capela32retirada dos monopól
- Page 34 and 35: José CapelaSe pode aceitar-se como
- Page 36 and 37: José Capelada consideração sober
- Page 38 and 39: José Capela38«Tolos eram os portu
- Page 40 and 41: José Capelapronto, e que era miste
- Page 42 and 43: José Capela42comércio legítimo n
- Page 44 and 45: José Capelaem que este comércio d
- Page 46 and 47: José Capela46Porto do que em Lisbo
- Page 48 and 49: José Capela48metrópole» (81) . M
- Page 50 and 51: José Capela50momentâneo bem da ag
- Page 52 and 53: José Capelado tráfico da escravat
- Page 54 and 55: José Capela54que o tráfico da esc
- Page 56 and 57: José Capela56Mas os brasileiros ta
- Page 58 and 59: José Capela58a sair em navios port
- Page 60 and 61: José Capelaprojecto para proibiç
- Page 62 and 63: José Capelaefeitos da convulsão p
- Page 64 and 65: José Capelaexactamente porque não
- Page 66 and 67: José Capela66milícia, no comérci
- Page 68 and 69: José Capela68extremamente diversif
- Page 72 and 73: José Capela72desenganar aos comiss
- Page 74 and 75: José Capela74que puderam reduzir a
- Page 76 and 77: José Capela76As posições políti
- Page 78 and 79: José CapelaFoi sugerido que uma da
- Page 80 and 81: José Capela80O próprio Sá da Ban
- Page 82 and 83: José Capela82limitando a observaç
- Page 84 and 85: José Capela84se viam pequenos cobe
- Page 86 and 87: José Capela86netos, e a sua fortun
- Page 88 and 89: José Capela88de 150 a 200 pessoas,
- Page 90 and 91: José Capela90medida havia de traze
- Page 92 and 93: José CapelaOutro índice significa
- Page 94 and 95: José Capela94senhores. Conquista q
- Page 96 and 97: José Capela96Como a transmissão d
- Page 98 and 99: José Capela98com que se divertiam
- Page 100 and 101: José Capela100de escravos em grand
- Page 102 and 103: José Capela102populações dominad
- Page 104 and 105: José Capela104militarmente aqueles
- Page 106 and 107: José Capela106economicamente. A au
- Page 108 and 109: José Capela108capitão-general Dav
- Page 110 and 111: José Capela110O mesmo governador,
- Page 112 and 113: José Capela112eram dos mais ricos
- Page 114 and 115: José Capela114Estamos portanto dia
- Page 116 and 117: José Capela116O que aproveitava, s
- Page 118 and 119: José Capela118todos os navios da m
- Page 120 and 121:
José Capela120enriquecer rapidamen
- Page 122 and 123:
José Capelatem ido deste país par
- Page 124 and 125:
José Capela124Não há dúvida que
- Page 126 and 127:
José Capela126disso o mesmo govern
- Page 128 and 129:
José Capela128para fazer o contrab
- Page 130 and 131:
José Capela130Ocidental apenas um
- Page 132 and 133:
José Capela132Esta narrativa deixa
- Page 134 and 135:
José Capela134de que Cirne o acusa
- Page 136 and 137:
José Capela136sindicância, porque
- Page 138 and 139:
José Capela138Foi assim que o mini
- Page 140 and 141:
José Capela140atribui às pressõe
- Page 142 and 143:
José Capela142ocaso do capitão Al
- Page 144 and 145:
José Capela144porque em Moçambiqu
- Page 146 and 147:
José Capela146no tráfico da escra
- Page 148 and 149:
José Capela148fronteiro à Ilha de
- Page 150 and 151:
José Capela150artigos adicionais s
- Page 152 and 153:
José Capela152vitória. E quando f
- Page 154 and 155:
José Capela154Os ingleses, que já
- Page 156 and 157:
José Capela156intervir no tráfico
- Page 158 and 159:
José Capela158domínios portuguese
- Page 160 and 161:
José Capela160Inglaterra disposta
- Page 162 and 163:
José Capela162da Bandeira recusou
- Page 164 and 165:
José Capela164negócio nada aprove
- Page 166 and 167:
José Capela166de D. João VI inter
- Page 168 and 169:
José Capelacomércio britânico, a
- Page 170 and 171:
José Capela170nesta verba débitos
- Page 172 and 173:
José Capelaeconómico dos dois pa
- Page 174 and 175:
José Capela174Os projectos, tímid
- Page 176 and 177:
José Capela176em nova era. O que a
- Page 178 and 179:
José Capelaesclavagistas e dadas a
- Page 180 and 181:
José Capela180algodão, para o qua
- Page 182 and 183:
José CapelaANEXOSCOMPRA DE UM ESCR
- Page 184 and 185:
José Capela184CIRNE, Manuel Joaqui
- Page 186 and 187:
José CapelaRESULTADO DOS TRABALHOS
- Page 188 and 189:
José Capela188AZEVEDO, Julião Soa
- Page 190 and 191:
José Capela190GOMES, Marques - LUC
- Page 192:
José Capela192SANCEAU, Elaine - D.