José Capela98com que se divertiam em «dansas menos sérias, e mais descompostas».Com lugares certos nas igrejas, providos de tapetes e coxins, lá iam, algumasacompanhadas de dezenas de escravas. Uma vida de ostentação,ociosidade e vícios inerentes.Tratava-se, pois, de uma classe senhorial ociosa, vivendo praticamentedas rendas proporcionadas pelas populações indígenas submetidas, quecolhiam os frutos da terra. Frutos naturais e alguns de cultura. No entanto,os cronistas da vida moçambicana de setecentos salientam o abandono aque estavam votados os grandes domínios. Entre os direitos senhoriaisincluíam-se os que incidiam sobre a caça, tomando nesta especial relevoo marfim, certamente o produto de maior importância na exportação, atéao advento do tráfico transoceânico intensivo de escravos. Pode dizer-seque não havia incentivo nem grande interesse em promover culturas. Aextensão dos domínios e os réditos fáceis, assim como a mão-de-obra gratuitae abundante, criavam condições especialmente favoráveis à inérciae ostentação da classe senhorial. Um autor chega mesmo a dizer que, emMoçambique, antes da extinção da escravatura, jamais se pensou no aproveitamentodo solo, nem para o preto nem para o branco (189) .Em 1758, os colonos, segundo um informador contemporâneo (190) ,dedicavam-se antes de mais a negociar ouro, marfim e outros géneros«em que mais fazem trabalhar os seus cafres do que cuidarem eles nestasdependências por pura preguiça». Esta vida de ociosidade, ostentação efacilidades propiciava conflitos de toda a ordem dentro da classe senhorial.As disputas por mais poder, prestígio e riqueza foram constantes e asrivalidades eram, muitas vezes, mais intensas entre membros da mesmafamília (191) . Ainda segundo Xavier, a segunda aplicação dos moradores eraa de procurar todos os meios de criar embaraços ao governo e dominá-lo,«...sendo indubitável que se sucede haver em uma destas povoações 20moradores, cada um deles tem 19 moradores inimigos; porém todos o sãodo governador» (192) . Atribui à vida dissoluta e insubordinada a ruína para189 Alexandre Lobato, ASPECTOS <strong>DE</strong> MOÇAMBIQUE NO ANTIGO REGIME COLONIAL, Lisboa, 1953,pág. 19.190 Ignácio Caetano Xavier, NOTICIAS <strong>DO</strong>S <strong>DO</strong>MÍNIOS PORTUGUESES NA COSTA DA ÁFRICAORIENTAL, Moçambique, 26 de Dezembro de 1758, in Andrade, ob. cit., pág. 141.191 Isaacman, ob. cit., pág. 58.192 Ignácío Xavier, cit., in Idem, pág. 142.2007
As Burguesias Portuguesas e a Abolição do Tráfico de Escravatura, <strong>1810</strong>-<strong>1842</strong>que caminhavam e em que muitos já se encontravam. Em Moçambique,só haveria já quatro moradores ricos e o mesmo acontecia nos Rios deSena, Sofala, Inhambane e Ilhas Quirimba. Duarte Salter de Mendonça, nasua memória de 7 de Dezembro de 1751, considerava que os portugueseseram maus colonizadores «porque todos tanto que passam o cabo da BoaEsperança, querem ser capitães, e comandantes». Um dos mais importantese temidos prazeiros de Sena foi João Xavier Pinheiro Aragão, capitão demar-e-guerra, que casou com a filha da referida D. Catarina Leitão. Esteoficial e grande prazeiro andou envolvido em grossas traficâncias queoriginaram graves conflitos, num dos quais feriu de morte outro fidalgo,Mateus Coelho Soares. Isto provocado pela preferência dada por este último,general de Moçambique, a um certo mercador, nas cargas aos váriosnavios de Sena e Sofala, com alguns sócios, e pagando 41% de direitos (193) .Este incidente chama-nos a atenção para a ligação dos prazeiros com ocomércio processado nos portos marítimos. Afinal de contas, tratava-se deuma classe meramente senhorial, de um misto de senhores com característicasde feudais mas já envolvidos directamente nos negócios marítimos,ou de negociantes que mantinham, acessoriamente, os domínios ondecolhiam os frutos a transaccionar?Será preciso distinguir dois períodos principais. Que podemos balizar naabertura dos portos, em meados do século XVIII. É certo que os portuguesespenetraram no interior, inicialmente, na busca do ouro. E ouro, marfim,âmbar e outros produtos constituíram as mercadorias que negociavam nasfeitorias e que, eles mesmos, uma vez estabelecidos na Zambézia, transaccionavam.Mas se os prazeiros não chegaram a fazer da Zambézia umacolónia de plantação propriamente dita, também, no seu período áureo,não foram qualquer coisa como uma burguesia comercial. Colocavam nomercado excedentes da produção agrícola, assim como o ouro e o marfimque os escravos angariavam ou que recebiam nas rendas. Mas o que erapreponderante no todo do sistema não eram as relações comerciais com oexterior mas as relações de produção, e as relações sociais em geral, dentrodos seus domínios, em cujo funcionamento o comércio de e para os portosmarítimos não teve incidência significativa até ao aparecimento do tráfico99193 In Idem, pág. 183.E-BOOK CEAUP
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