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Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil; 2009-2010

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identidade são exatamente negros do ponto de vista de suas formasfísicas. Assim, por exemplo, segundo dados do Censo Demográficode 2000, os brancos formavam a maioria absoluta dos adeptos <strong>das</strong>religiões de matriz afro-brasileira (Cf. PAIXÃO, 2005). Mesmo nascomunidades de remanescentes de quilombos foi possível captargrupos de cor ou raça para além dos pretos & pardos.Todavia, to<strong>das</strong> as pessoas envolvi<strong>das</strong> <strong>no</strong>s terreiros ou nascomunidades quilombolas, independentemente da cor ou raça,estarão vivenciando situações comuns em termos de seus anseioscomunitários e sofrendo <strong>das</strong> mesmas mazelas do ponto de vistado racismo cultural imperante na sociedade brasileira. Portanto,poderão ser discrimina<strong>das</strong> como portadoras de formas religiosasou comunitárias associa<strong>das</strong> aos ancestrais africa<strong>no</strong>s e, como tal,associa<strong>das</strong> pelas formas ideológicas dominantes como primitivasou perigosas. Por sua vez, não haveria motivos para se dissociaresta questão do próprio debate sobre a SAN nessas áreas específicas.De qualquer modo, <strong>no</strong> processo de elaboração <strong>das</strong> políticasassistenciais, é realmente importante que sejam precisados osdescritivos, se mais centrados em sua dimensão étnica ou se vistosem sua dimensão mais propriamente de cor ou raça. E o principalmotivo dessa diferenciação é que os fatores que podem levar asituações de insegurança alimentar <strong>no</strong> seio de um ou de outrocontingente, para além do problema da pobreza, podem não serexatamente os mesmos. Esta hipótese, caso confirmada, poderiagerar diversas lacunas <strong>no</strong> processo de implantação <strong>das</strong> políticaspúblicas <strong>no</strong> caso de o seu formulador não ter a devida sensibilidadepara reconhecê-las.No momento de realização <strong>das</strong> pesquisas demográficas oficiais,dificilmente grupos populacionais específicos são captados, muitopor conta de seu reduzido tamanho em termos relativos. Pelocontrário, em geral, os levantamentos demográficos, tal comocomumente realizados <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, captam grupos populacionaismais amplos, sem referências étnicas específicas em relação aotodo cultural dominante. E esta questão, naturalmente, englobaos grupos de cor ou raça.Quando a reflexão acima é derivada para o tema da SAN,é preciso ter em conta que a cultura alimentar vigente vem sedisseminando igualmente para a grande maioria dos residentes,especialmente através dos meios de comunicação. Dessa forma,tal cultura alimentar dominante pauta as escolhas alimentares deforma indiscriminada. Pode-se indagar se determinados gruposétnicos seriam me<strong>no</strong>s permeáveis a esse processo por questõesculturais, por me<strong>no</strong>r chance de acesso a essas informações oupor maior dificuldade de acesso aos bens comercializados <strong>no</strong>smercados urba<strong>no</strong>s ou metropolita<strong>no</strong>s. Nesse sentido, para além <strong>das</strong>próprias dificuldades de acesso, alguns segmentos da populaçãonegra, como quilombolas e comunidades de terreiro, poderiam termaior resistência à permeabilidade da cultura alimentar vigentena sociedade mais ampla, gerando assim determinados padrõesnutricionais específicos. Mas o que dizer dos amplos contingentesnegros que não vivem dessa forma tão isolada, mas que, aindaassim, encontram diferenciados padrões nutricionais e níveis deexposição à insegurança alimentar? E são exatamente estes gruposmais amplos os que são mais frequentemente captados pelaspesquisas oficiais, tal como, por exemplo, a PNAD e a POF, fontespara a construção da Ebia.Ou seja, na reflexão da SAN, parece que também incidemproblemas e especificidades sobre os afrodescendentes que não estãovinculados social, cultural, religiosa ou afetivamente aos gruposde identidade étnica específica (comunidades de remanescentesde quilombos e de terreiros), mas que também enfrentam asdificuldades <strong>no</strong> interior da sociedade por conta da discriminaçãoque incide sobre as suas marcas raciais (cor da pele, formas faciais,tipos de cabelos). Assim, os efeitos que as práticas preconceituosase discriminatórias, vigentes <strong>no</strong> interior da sociedade, têm sobreesse grupo (ou sobre essas marcas), elevando a probabilidade dosafrodescendentes terem me<strong>no</strong>s acesso aos recursos econômicos,aumentariam a probabilidade dos membros desse grupo se veremsujeitos ao risco da insegurança alimentar.Contudo, mesmo a reflexão acima para a explicaçãodos motivos <strong>das</strong> desigualdades de cor ou raça <strong>no</strong> que tange àinsegurança alimentar pode ser ainda insuficiente, de algum modotambém trazendo o risco de ocultar outros modos operantes domodelo brasileiro de relações raciais em termos <strong>das</strong> diferentesprobabilidades de acesso aos alimentos em quantidade suficientepor parte dos indivíduos dos diferentes grupos.Nesse sentido, por exemplo, a análise a partir de dadosantropométricos, tal como levantados na POF 2002-2003, indicouque não havia diferença importante entre brancos e pretos & pardos<strong>no</strong> que se refere à prevalência de situações nutricionais específicas(déficit e excesso de peso). No entanto, quando diferenciados pelaEbia, os dados indicam distinções importantes, com uma situaçãomais prevalente e mais grave entre os pretos & pardos. Assim, porexemplo, como compreender que, apesar dos pretos & pardosterem níveis de insegurança alimentar maiores, seu IMC sejafundamentalmente compatível ao que ocorre com o grupo de corou raça branca? Poderiam estar existindo estratégias específicasde enfrentamento do problema, onde dimensões comunitáriasou de solidariedade difusa operem de forma mais intensiva <strong>no</strong>interior do contingente preto & pardo? Ou que outra estratégiade sobrevivência poderia estar sendo adotada por este grupo paracompensar sua desvantagem em termos da maior exposição àinsegurança alimentar?No mesmo rumo, já foram comenta<strong>das</strong> as diferenças <strong>no</strong>s tiposde alimentos que os diferentes contingentes de cor ou raça priorizamna compra com os recursos do PBF. Uma hipótese explicativa parao fato poderia estar relacionada à mais baixa renda dos pretos &pardos comparativamente aos brancos. Assim, a partir do aportede recursos do PBF, que caracterizam justamente as famílias commaiores dificuldades de acesso à alimentação, os pretos & pardospoderiam estar conferindo especial preferência à compra dealimentos considerados básicos (arroz e feijão), entre outros. Ouseja, o aumento relativo do consumo de alimentos que compensamdo ponto de vista de “custo-saciedade e sabor” poderia estarsendo explicado pelas condições socioeconômicas mais adversasenfrenta<strong>das</strong> pelas famílias chefia<strong>das</strong> por pessoas pretas & par<strong>das</strong>,comparativamente às famílias chefia<strong>das</strong> por pessoas brancas, que,assim, teriam mais cuidado <strong>no</strong> momento da escolha dos tipos dealimentos que suas famílias irão consumir.Contudo, uma segunda hipótese para explicar aquelas diferençaspoderia estar sendo assumida. Será que pretos & pardos de baixarenda teriam um perfil alimentar intrinsecamente distintode brancos do mesmo estrato social? Em caso positivo, o queexplicaria essa diferença? Mesmo em cidades de grande porte,onde a convivência de brancos e pretos & pardos <strong>das</strong> condiçõessociais mais pobres tende a ser mais estreita, será que as formasAssistência social e segurança alimentar e nutricional 153

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