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Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil; 2009-2010

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Box 2.3. Et<strong>no</strong>botânica e o uso <strong>das</strong> plantas medicinais (ewé) nas religiões de matriz afrodescendenteDentre as categorias indica<strong>das</strong> pelo IBGE como “outro tipo de serviço” estavamexpressamente indicados os curandeiros e os centros espíritas. Conforme vistona tabela 2.9, <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 2008, em todo o <strong>Brasil</strong>, o percentual dos que declararamter nesta alternativa seu local habitual de atendimento à saúde foi de 0,1% dapopulação residente. Este número relativo foi exatamente o mesmo do quehavia sido verificado <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 1998, quando 0,1% da população residente haviadeclarado a mesma opção.A este respeito, cabe uma reflexão mais aprofundada sobre os resultadosobtidos pelos sucessivos suplementos da PNAD que trataram do acesso e utilizaçãode serviços de saúde. Por um lado, parece evidente que a forma mais adequadade atendimento regular à saúde da população seja através de estabelecimentosde saúde habilitados. Contudo, lida por outro ângulo, a questão pode revelaroutros temas comumente não explorados.Ao longo da história brasileira, especialmente após a fundação da república,as práticas religiosas de matriz afrodescendente foram duramente persegui<strong>das</strong>pelo Estado brasileiro, dentro de uma mescla de discriminação institucional denatureza racial e étnica. O jurista Hédio Silva Jr. (1998), comentando o Código Penalde 1890, já mencionava a expressa menção ao espiritismo e ao curandeirismo,tipificados como crimes. Por mais que esta lei, <strong>no</strong> que tange ao espiritismo,tenha sido posteriormente revogada, a partir do Código Penal de 1940 os marcoslegais até bem pouco vigentes parece que favoreciam a contínua perseguição dostemplos. Assim, Ordep Serra (1998) apontou que até o a<strong>no</strong> de 1976, em Salvador(BA), para poder funcionar, os terreiros eram obrigados a se registrar, pagandotaxas, nas delegacias de costumes. Em São Luís (MA), tal dispositivo vigorou até1988. Portanto, verifica-se que, ao longo da história brasileira, o Estado, em <strong>no</strong>mede uma suposta preservação da segurança e da saúde da população, abrigou umhistórico de preconceito, discriminação e perseguição aos terreiros de candomblée demais templos religiosos da matriz afrodescendente.Para além de seu aspecto mais propriamente legal (liberdade de culto),<strong>no</strong> interior deste debate emerge uma outra questão. Esta é relacionada aosconhecimentos tradicionais de usos medicinais de determinados tipos de ervas (ewé),tais como conservados pelos sacerdotes <strong>das</strong> religiões de matriz afrodescendente.Neste caso, não se trata de uma questão associada aos possíveis efeitos positivospara a saúde <strong>das</strong> pessoas quando da mobilização da religião ou da fé. Mas, sim,de conhecimentos tradicionais que foram sendo acumulados ao longo do tempo,passados de geração em geração, e cujo desconhecimento de formas medicinaisde aplicação somente pode ser entendido como uma perda para toda a sociedade.O antropólogo Pierre Verger (1995), em magistral pesquisa sobre o uso<strong>das</strong> plantas na sociedade Iorubá, listou 250 tipos de ervas (ewé) aplica<strong>das</strong> comfinalidades medicinais (sem considerar simultâneos usos litúrgicos) e portandodezenas de diferentes possibilidades alternativas de uso.Seguindo aquela linha, diversas pesquisas recentemente realiza<strong>das</strong>evidenciaram que por todo o <strong>Brasil</strong> segue sendo prática corrente a vendade ervas medicinais em feiras-livres e mercados populares, com finalidadeslitúrgicas e medicinais, seguindo as tradicionais formas de uso tal como usa<strong>das</strong><strong>no</strong>s templos religiosos da matriz afrodescendente. Azevedo & Silva (2006), empesquisa realizada <strong>no</strong> entor<strong>no</strong> da área da Serra do Mendanha, <strong>no</strong> município doRio de Janeiro (RJ), apontaram o uso de 127 espécies, sendo 70,1% utiliza<strong>das</strong>com finalidades terapêuticas. Pires e col. (<strong>2009</strong>) indicaram que, <strong>no</strong>s terreirosde candomblé da microrregião de Ilhéus, eram usa<strong>das</strong> 78 espécies, e as comfinalidades medicinais correspondiam a 53,2%. Freire e col. (<strong>2009</strong>) entrevistarammateiros na região de Juazeiro do Norte (CE) e verificaram a aplicação de 117plantas, e, destas, tinham aplicação medicinal 81,2%, e aplicação medicinalassociada com finalidades ritualísticas, mais 11,9%. Mandari<strong>no</strong> (2008) revelouo uso de 68 plantas <strong>no</strong> terreiro pesquisado <strong>no</strong> município de São Cristóvão (SE).Tucan e col. (2004), em pesquisa realizada <strong>no</strong> município pantaneiro de Corumbá(MS), mencionaram 49 plantas utiliza<strong>das</strong>, sendo 24,5% usa<strong>das</strong> com exclusivafinalidade medicinal e outras 25,5% com finalidades medicinais e litúrgicas.Estes exemplos, que cobrem apenas parte da produção acadêmica recente sobrea questão, ajudam a evidenciar que, mesmo <strong>no</strong>s dias atuais, tais práticas estãodissemina<strong>das</strong> por todo o país nas suas mais varia<strong>das</strong> regiões.Freire e col. (<strong>2009</strong>, p. 2) apontaram que “quanto à posologia, não foi observadoum rigor na quantidade a ser administrada. Boa parte dos usos <strong>das</strong> plantas ébaseada na experiência, porém a grande maioria dos informantes demonstroupreocupação em relação à dose e contra-indicações, pois algumas plantas tornam setóxicas ou abortivas de acordo com a quantidade ingerida, a exemplo da Caninana(Chiococca alba (L.) Hitchc.)”. Ou seja, o reconhecimento da efetiva existência deuma tradição de plantas de uso medicinal por parte dos iniciados dos templosreligiosos de matriz afrodescendente não implica que estejam automaticamenteresolvi<strong>das</strong> outras tantas questões, como posologia, contraindicações ou mesmoformas mais abrangentes de uso que poderiam ser desenvolvi<strong>das</strong> de formaconsorciada com o conhecimento científico convencional.Não parece exagero supor que estes conhecimentos tradicionais abrigamgrande potencial em termos de sua aplicação prática, que, porém, permanecedesconhecida da grande maioria da população, muitas vezes por preconceito esuperstições acerca de suas origens.2.4.b. Número de consultasmédicas (tabelas 2.12. e 2.13.)De acordo com os indicadores da PNAD 2008, a maioria doshomens (54,4%) que havia recebido consulta médica <strong>no</strong>s últimos 12meses o havia feito apenas de 1 a 2 vezes. No caso <strong>das</strong> mulheres quehaviam recebido consulta médica, o percentual <strong>das</strong> que o fizeramentre 1 e 2 vezes foi de 43,9%. No outro extremo, em termos donúmero de consultas, as mulheres que tinham recebido 13 consultasou mais perfizeram 4,3%, e os homens, 3,0%.No contingente branco do sexo masculi<strong>no</strong> que havia tidoconsulta médica <strong>no</strong> último a<strong>no</strong>, o percentual dos que haviam feito<strong>no</strong> máximo duas vezes vez foi de 52,7%; de 3 a 5 vezes, 29,8%; de 6a 12 vezes, 14,2%; e mais de 13 vezes, 3,2%. No grupo preto & pardodo mesmo sexo, o peso dos que haviam recebido consulta médicaentre 1 e 2 vezes foi de 56,1% (3,5 pontos percentuais superior aooutro grupo); de 3 a 5 vezes, 28,5%; de 6 a 12 vezes, 12,7%; e maisde 13 vezes, 2,7%.Conforme visto acima, o contingente femini<strong>no</strong>, comparadoaos homens, apre sentava maior constância de frequência ao52 <strong>Relatório</strong> <strong>Anual</strong> <strong>das</strong> <strong>Desigualdades</strong> <strong>Raciais</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>; <strong>2009</strong>-<strong>2010</strong>

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