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Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil; 2009-2010

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à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdadee à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvode toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,crueldade e opressão”;Titulo IX (Das disposições constitucionais gerais), art.242, § 1º “O ensi<strong>no</strong> da História do <strong>Brasil</strong> levará em conta ascontribuições <strong>das</strong> diferentes culturas e etnias para a formaçãodo povo brasileiro”;Titulo X (Ato <strong>das</strong> disposições constitucionais transitórias), art.68, “Aos remanescentes <strong>das</strong> comunidades dos quilombos que estejamocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendoo Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.Portanto, da leitura deste conjunto de dispositivos constitucionais,parece evidente que a Constituição brasileira incorporouas principais deman<strong>das</strong> porta<strong>das</strong> pelo movimento negro <strong>no</strong> finalda década de 1980.Naqueles idos, de fato, a principal reivindicação do movimentonegro parecia ser a criminalização da prática do racismo, assim sesuperando o marco legal anterior assentado na Lei Afonso Ari<strong>no</strong>s,que tão-somente considerava tal delito uma contravenção. Com isso,abriu-se margem para a futura aprovação da Lei nº 7.716, de 5 dejaneiro de 1989 (posteriormente modificada pela Lei nº 9.459, de13 de maio de 1997), conhecida como Lei Caó, e que regulamentou,<strong>no</strong> Código Penal brasileiro, o dispositivo constitucional que tratados crimes de racismo.Contudo, não seria correto identificar apenas na lei que criminalizao racismo as conquistas obti<strong>das</strong> pelo movimento negrobrasileiro na Constituição Cidadã. Assim, o art. 242, § 1º, abriu espaçoconstitucional para a futura aprovação <strong>das</strong> Leis 10.639 e 11.645,dispositivos que incluíram <strong>no</strong>s currículos do ensi<strong>no</strong> fundamentalos conteúdos de história da África e da presença da populaçãoafrodescendente e indígena na sociedade brasileira. O mesmo podeser dito <strong>das</strong> conquistas obti<strong>das</strong> pelos quilombolas e comunidadesde terreiros, ao me<strong>no</strong>s formalmente, protegi<strong>das</strong> pelo dispositivoque trata da liberdade religiosa.De qualquer maneira, o conjunto de conquistas do movimentonegro, tal como se apresentava há vinte a<strong>no</strong>s, não tinham aindarevelado sua potencialidade, concomitantemente transformadorae controversa. E a ela veio se juntar a própria luta pela adoção <strong>das</strong>políticas afirmativas para os afrodescendentes, especialmenteem termos do acesso aos cursos de graduação nas universidadespúblicas.A juíza Adriana Cruz, visando o desenvolvimento de sua dissertaçãode mestrado, fez uma pesquisa <strong>no</strong>s portais dos Tribunaisde Justiça Federal de segunda instância de todo o país. Assim, apesquisadora coletou 134 processos envolvendo temas que diziamrespeito à população afrodescendente. Destes, 74 envolviam julgamentosobre o sistema de cotas de ingresso nas universidadespúblicas, e 46 envolviam interesses de comunidades de quilombosreconheci<strong>das</strong> ou em processo de reconhecimento, sendo os demais24 casos associados a denúncias de práticas de racismo (CRUZ,<strong>2010</strong>, p. 119).Atualmente, portanto, o Poder Judiciário brasileiro vemlidando com três vertentes quando do tratamento da temáticaenvolvendo a população negra e os seus direitos coletivos: i) a efetivaaplicabilidade em termos técnicos, éticos e políticos da legislaçãoque criminaliza o racismo; ii) as interpretações sobre como osdireitos coletivos dos quilombolas, previstos na Constituição de1988, serão efetivamente garantidos; e iii) a constitucionalidade<strong>das</strong> ações afirmativas.No que tange ao primeiro temário, da leitura do dispositivoconstitucional parece não haver margem para dúvida de queo racismo, por ser considerado um delito grave, se conformajuridicamente como uma prática inafiançável e imprescritível.Contudo, conforme será visto <strong>no</strong> capítulo 7, <strong>no</strong> período 2007-2008,do total de ações contra crimes de racismo julga<strong>das</strong> <strong>no</strong>s Tribunaisde Justiça de 19 unidades da federação, 66,9% <strong>das</strong> ações foramvenci<strong>das</strong> pelos réus e 29,7% pelas vítimas.Estes indicadores não deixam de sugerir ao me<strong>no</strong>s uma certadificuldade de aplicação prática da lei por parte do Poder Judiciáriobrasileiro. Tal consideração pode ser ratificada pelas palavras doatual ministro do Supremo Tribunal Federal, o magistrado JoaquimBarbosa, que em estudo sobre os marcos legais <strong>das</strong> ações afirmativas<strong>no</strong>s EUA, ao tecer comentários sobre a efetiva aplicação <strong>das</strong> leisantirracistas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, apontou: “Na órbita jurídica interna, além dosdispositivos constitucionais genéricos que proíbem a discriminaçãoracial e criminalizam certos comportamentos discriminatórios, oDireito brasileiro se singulariza pela esdrúxula estratégia de pretenderextinguir a discriminação racial e seus efeitos mediantes leis de conteúdocriminal (Lei n. 7.716/89 e Lei n. 9.459/97). Ineficazes, tais leissão muitas vezes objeto de deboche por parte de alguns operadoresdo Direito aos quais incumbiria aplicá-las. Não se tem <strong>no</strong>tícia deum único caso de cumprimento de pena por condenação criminalfundada nessas leis” (BARBOSA, 2001, p. 12-13).No que tange aos direitos coletivos dos quilombolas contemporâneos,os segmentos descontentes com tal medida (geralmentegrandes proprietários de terras) vêm atuando <strong>no</strong> sentido de dificultara efetivação destes direitos mediante a criação de entraveslegais à titulação <strong>das</strong> terras. Já em 2004, o atual partido Democrata(DEM) impetrou Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin)contra o Decreto 4.887, de 20 de <strong>no</strong>vembro de 2003, que regulouo processo de reconhecimento e titulação <strong>das</strong> comunidades quilombolas,definindo o Instituto de Colonização e Reforma Agrária(Incra) como órgão responsável por esta última função. Em 2005,diante <strong>das</strong> pressões que vinha sofrendo, este mesmo órgão propôsrevisões <strong>no</strong>s marcos legais apontados <strong>no</strong> Decreto 4.887, propostaesta que descontentou as entidades de defesas dos interesses dosquilombolas. Outro indicador sugestivo dos impasses atualmentevigentes é que, entre os a<strong>no</strong>s de 2008 e <strong>2009</strong>, o Incra conseguiuliquidar apenas 11% do orçamento originalmente previsto para oórgão na titulação <strong>das</strong> terras <strong>das</strong> comunidades de remanescentesde quilombos (a este respeito, ver o capítulo 7 deste <strong>Relatório</strong>).Quanto ao dilema <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> legal, sobre a validade legal <strong>das</strong>ações afirmativas, por curioso que seja, na Constituição de 1988não há sequer um único dispositivo tratando do tema. Tal ausêncianão pode ser creditada à resistência dos partidos conservadoresnaquele momento. O fato é que naquele contexto histórico o temanem mesmo estava colocado.No mês de março de <strong>2010</strong>, o ministro Ricardo Lewandowsky,do Supremo Tribunal Federal (STF), convocou uma audiênciaconsultiva sobre o tema <strong>das</strong> ações afirmativas para negros <strong>no</strong> acessodiscente às universidades públicas, abrindo espaço para as posiçõesfavoráveis e contrárias ao princípio. Aquele magistrado vem a sero responsável pela relatoria da Arguição de Descumprimento dePreceito Fundamental (ADPF) 186 e do Recurso Extraordinário(RE) 597285, <strong>no</strong>s quais o sistema diferenciado de ingresso nas18 <strong>Relatório</strong> <strong>Anual</strong> <strong>das</strong> <strong>Desigualdades</strong> <strong>Raciais</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>; <strong>2009</strong>-<strong>2010</strong>

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