guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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Gran<strong>de</strong> Sertão: Veredas ____________________________________________________________ Antônio Olinto 101<br />
maior, aparecem ali, concentrando-se a ação em território a que pouquíssimos<br />
brasileiros <strong>de</strong> outras zonas tinham, até agora, dado atenção. Essa configuração<br />
geográfica do enredo já é sintomática, levando-nos a achar que, com o trabalho<br />
<strong>de</strong> Guimarães Rosa, incorporamos mais um pedaço <strong>de</strong> terra ao país. E sintomático<br />
também é que as personagens não tenham o problema da terra, tal como a<br />
visão romântico-econômica <strong>de</strong> uma fase <strong>de</strong> nossa literatura nos vinha mostrando.<br />
Aí, as pessoas andam, brigam, amam. Fazem as coisas essenciais <strong>de</strong><br />
modo, senão primitivo, pelo menos primário. A vingança e o amor, motivadores<br />
das caminhadas dos heróis gregos, <strong>de</strong>terminam também os movimentos<br />
<strong>de</strong> Riobaldo, Diadorim, Zé Bebelo, Joca Ramiro.<br />
Queremos, em segundo lugar, chamar a atenção para a unida<strong>de</strong> da<br />
narrativa, ou melhor, para a sua unicida<strong>de</strong>. A fórmula rítmica do romance<br />
tradicional, dividido em capítulos, <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> existir em Gran<strong>de</strong> Sertão:<br />
Veredas, para dar lugar a um relato ininterrupto, coeso, fechado sobre si<br />
mesmo. E a concatenação, o ent<strong>rosa</strong>mento entre as diversas fases do romance, a<br />
passagem <strong>de</strong> um acontecimento a outro, tudo isto é feito com espantosa<br />
riqueza, tanto <strong>de</strong> vocabulário como <strong>de</strong> técnica <strong>de</strong> narração. O simples fato <strong>de</strong><br />
escrever uma história corrida, sem capítulos, não bastaria para fazer do<br />
romance uma obra extraordinária, não fosse a cadência larga em que <strong>de</strong>correm<br />
os acontecimentos, fazendo lembrar os rios da região, tão importantes na<br />
<strong>de</strong>marcação literária do trabalho <strong>de</strong> Guimarães Rosa como o são no traçar<br />
limites naturais nas terras que banham.<br />
O que faz, contudo, <strong>de</strong> Gran<strong>de</strong> Sertão: Veredas uma obra-prima é o fato<br />
<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa justeza técnica, revelar um povo, mostrar-nos a nós mesmos,<br />
dar-nos uma consciência <strong>de</strong> existir, como raros trabalhos literários brasileiros o<br />
tinham feito até agora. É a nossa gran<strong>de</strong> epopéia, no mais lato e, ao mesmo<br />
tempo, exato sentido da palavra. As batalhas do romance são <strong>de</strong>scritas num tom<br />
épico, tom <strong>de</strong> heroísmo que não se pren<strong>de</strong> a palavras, mas a pessoas e ao que<br />
elas fazem. Guimarães Rosa não se per<strong>de</strong> em literatizar seus acontecimentos,<br />
sua gente ou suas coisas. Tudo o que está no livro é natural e aparece contado<br />
por um narrador que, vivendo no meio, não se espanta com o mundo que é seu.<br />
O maior <strong>de</strong>feito <strong>de</strong> bons romances brasileiros é o <strong>de</strong> darem eles a impressão <strong>de</strong><br />
que seus autores estão visitando os lugares em que os fatos acontecem, o que os<br />
leva a se comportarem como repórteres que, tomados <strong>de</strong> espanto <strong>de</strong>sandam a<br />
fazer má literatura <strong>de</strong>scritiva. O espanto, quando existe, <strong>de</strong>ve vir <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do<br />
próprio romance, e não a ele ser artificialmente imposto pelo escritor.<br />
O <strong>de</strong>senvolvimento e a fixação dos tipos humanos do livro são <strong>de</strong> absoluta<br />
niti<strong>de</strong>z. Diadorim, por exemplo, ficará como das gran<strong>de</strong>s criações <strong>de</strong> nossa