guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

A MULHER GEOMÉTRICA – UMA
INCURSÃO OUSADA NO TEXTO
DE JOÃO GUIMARÃES ROSA
Onofre de Freitas*
O narrador de “Minha Gente” (Rosa: 1974, p. 173 – 223) é um narradorpersonagem,
do tipo intradiegético de que fala Gerard Genette (Genette: s. d.,
p. 28 e sg.). Apesar de ser o protagoninsta da ação central, permanece inominado,
do começo ao fim, apenas identificado pelo “eu” falante. E é pelo seu
olhar um tanto exterior a tudo – quero dizer: um quê apenas, penetrante na
substância das coisas – que podemos seguir o ponto de vista narrativo
comprometido, parece-me, em nos induzir a ler os fatos pela superficialidade.
Ou seja: estamos frente a um narrador jocoso (não no sentido de alegre e
engraçado, mas no sentido primitivo de gostar de jogar); sim, um narrador que
nos quer enganar, forçando-nos, como narratários, a entrar no jogo.
A primeira informação que o narrador nos traz é para apresentar Santana
– «que era também inspetor escolar, itinerante, com uma lista de dez ou doze
municípios a percorrer – era o meu sempre-encontrável, o meu “até-as-pedrasse-encontram”
– espécie esta de pessoa que todos em sua vida têm.»
Sendo assim, Santana será o seu companheiro de viagem até próximo à
fazenda dos Tucanos para onde o narrador se dirige em visita ao Tio Emílio.
Companheiro de viagem e parceiro de jogo, porque Santana é viciado em
xadrez. Conduz sempre consigo uma cartela furada de papelão onde as peças
são cravadas, permitindo disputar-se uma partida mesmo em movimento em
cima dos cavalos. De pronto, ficamos sabendo que Santana é do tipo introvertido,
homem só intelecto, continuamente absorto pelas deduções e cálculos
do jogo – ponto único de convergência de seus interesses e atenções. O
* Professor Universitário, advogado. Presidente de O Ateneu – Centro Mineiro de Estudos Literários.