guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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Os Jagunços e o Rio do Chico no Gran<strong>de</strong> Sertão: Veredas _______________________________ Letícia Malard 41<br />
outros jagunços, é <strong>de</strong> certa forma um mecanismo para submeter a socieda<strong>de</strong> ao<br />
império <strong>de</strong> alguma lei, quase sempre a punição com a morte e por crimes<br />
julgados subjetivamente. Não nos esqueçamos <strong>de</strong> que a pena <strong>de</strong> morte no Brasil<br />
foi expressamente abolida para crimes comuns somente com a Proclamação da<br />
República, mas, a partir <strong>de</strong> 1876, o imperador comutava todas as sentenças<br />
capitais. No romance, os julgamentos ou <strong>de</strong>cisões dos chefes, que po<strong>de</strong>m<br />
resultar na pena máxima, reforçam a autonomia <strong>de</strong> que eles se investem para<br />
ignorar a lei oficial ou para mimetizar o que fazia o po<strong>de</strong>r governamental,<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> quando se passa a história. Mutatis mutandis, seria uma<br />
situação equivalente à que acontece hoje na chamada Guerra do Tráfico, suas<br />
gangues rivais, seus julgamentos e execuções. Há gran<strong>de</strong>s diferenças, é claro,<br />
que ainda estão por merecer um estudo aprofundado.<br />
Relembremos, então, as razões pelas quais alguns chefes se tornaram<br />
indivíduos acima da Lei. Joca Ramiro, político rico, criatura cuja origem se<br />
<strong>de</strong>sconhece, e pai <strong>de</strong> Diadorim, incita a filha, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância, a amar e a<br />
praticar a violência. Veste-a <strong>de</strong> homem, como a prepará-la para vingar sua<br />
morte futura, levando-a com ele para o bando. O melhor exemplo da violência<br />
passada, cultivada por Ramiro, é quando o menino-menina esfaqueia os<br />
genitais <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sconhecido, à beira do São Francisco, porque esse insinuara<br />
uma relação homossexual entre Diadorim e Riobaldo, quando crianças,<br />
querendo participar <strong>de</strong>la. Já naquele momento, Diadorim transmite a Riobaldo<br />
o conselho do pai: “carece <strong>de</strong> ter coragem”. Coragem <strong>de</strong> agredir, morrer ou<br />
matar, coragem <strong>de</strong> jagunço, sua travessia.<br />
Sô Can<strong>de</strong>lário vive um trauma <strong>de</strong>sesperador: olha-se constantemente no<br />
espelho, examinando o corpo à procura <strong>de</strong> sinais que fariam <strong>de</strong>le um portador<br />
do mal <strong>de</strong> Hansen, uma vez que viu seus pais e irmãos morrerem <strong>de</strong> “lepra”.<br />
Assim, a doença mais temida do sertão, à época em que era incurável, violência<br />
ao próprio corpo que se <strong>de</strong>formava com a perda paulatina dos membros, fazia o<br />
jagunço rebelar-se também contra essa forma <strong>de</strong> injustiça. De que modo?<br />
Respon<strong>de</strong>ndo à possível violência repugnante, infringida ao corpo pelo <strong>de</strong>stino,<br />
com a violência na perseguição e morte do Outro.<br />
Me<strong>de</strong>iro Vaz, “o rei dos Gerais”, simboliza a violência como instrumento<br />
<strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção: reza sempre o terço e faz o sinal-da-cruz antes <strong>de</strong> mandar matar<br />
alguém. No passado, foi um incendiário: <strong>de</strong>senten<strong>de</strong>u-se com a família, pôs<br />
fogo em sua boa proprieda<strong>de</strong> e a<strong>de</strong>riu ao jaguncismo. Conta que nem precisava<br />
das cinzas: ficava escutando o barulho das coisas caindo e estralando, sem<br />
ninguém para acudir, num comportamento sado-masoquista. Ídolo <strong>de</strong> Riobaldo,<br />
<strong>de</strong>ci<strong>de</strong> passar-lhe o comando. Ambos se espelham nos lances <strong>de</strong> violência. Sua