guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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204 _______________________________________________ REVISTA DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS<br />
fincadas no sertão – e em boa parte acontece isso – mas são também produto do<br />
elevado conhecimento lingüístico que ele tinha, falando, escrevendo, dominando<br />
um sem-número <strong>de</strong> idiomas. Em rigor, ninguém fala daquela maneira em<br />
lugar nenhum do mundo, muito menos em qualquer parte dos Gerais. O que<br />
Rosa fez em seus livros equivale ao que Villa-Lobos criou com suas cirandas e<br />
choros: aproveitou temas folclóricos e canções populares e <strong>de</strong>u-lhes ar <strong>de</strong><br />
erudição. A forma popular está lá – mas trabalhada, acrescida do talento do<br />
autor.<br />
Qualquer diretor <strong>de</strong> cinema que se disponha a adaptar um texto <strong>de</strong> Rosa<br />
terá, necessariamente, que começar por traí-lo; do contrário, será traído por ele.<br />
A forma <strong>de</strong> qualquer categoria <strong>de</strong> arte pertence apenas àquele tipo <strong>de</strong> arte. É<br />
tarefa das mais complexas transformar palavras em dança, escultura ou cinema;<br />
ainda mais se essas palavras são revolucionárias. Sobra, assim, ao cinema –<br />
como a qualquer outro tipo <strong>de</strong> arte narrativa – o chamado conteúdo, a história.<br />
As histórias <strong>de</strong> Guimarães Rosa são belíssimas, mas em muitas <strong>de</strong>las não<br />
acontece rigo<strong>rosa</strong>mente nada em termos <strong>de</strong> ação, centradas que são em um<br />
mundo interior, in<strong>de</strong>ne a manifestações físicas. Tome-se como exemplo a<br />
maravilhosa “Campo Geral”, em que o menino Miguilim passa a ver o mundo<br />
<strong>de</strong>pois que começa a usar um par <strong>de</strong> óculos, ou então o conto “Um Moço Muito<br />
Branco”, no qual toda a trama gira em torno da possível presença <strong>de</strong> um<br />
alienígena em pleno sertão. Ainda assim, é possível transformar esses textos em<br />
imagens, como já <strong>de</strong>monstrou Carlos Alberto Prates Correia, ao fazer <strong>de</strong><br />
“Sorôco, sua Mãe, sua Filha” o trecho final <strong>de</strong> seu “Cabaré Mineiro”.<br />
A melhor maneira <strong>de</strong> se manter fiel a Guimarães Rosa é tentar recriar seu<br />
mundo. Acreditava que o sertão está em toda parte e não hesitava em apontar<br />
sertanejos europeus e <strong>de</strong> outras latitu<strong>de</strong>s. O gran<strong>de</strong> sertão é isso: o mundo e<br />
suas diversida<strong>de</strong>s. Embora fizesse uso <strong>de</strong> linguagem própria, não se <strong>de</strong>scuidava,<br />
um momento que fosse, da continuida<strong>de</strong> narrativa. Ele mesmo dizia que<br />
tinha <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si milhares <strong>de</strong> estórias e que precisava viver o tempo suficiente<br />
para escrevê-las. A narrativa rosiana nunca é solta, fragmentada, embora<br />
sempre composta por episódios com vida in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, como se observa no<br />
Gran<strong>de</strong> Sertão: Veredas que, a grosso modo, po<strong>de</strong> ser transformado em um<br />
novelo <strong>de</strong> novelas, mas que adquire sua verda<strong>de</strong>ira dimensão quando essas<br />
mesmas novelas são interligadas umas às outras e amarradas em <strong>de</strong>terminada<br />
or<strong>de</strong>m, a que o autor concebeu.<br />
A verda<strong>de</strong>ira or<strong>de</strong>m dos escritos <strong>de</strong> Rosa é ditada pela própria vida.<br />
Assim, não faz sentido imaginar que a arte revolucionária do escritor encontre<br />
melhor forma em uma adaptação livre. O enca<strong>de</strong>amento é parte integrante,