guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Permanência <strong>de</strong> Cecília ________________________________________________________ Pe. Paschoal Rangel 149<br />
feminino <strong>de</strong> poeta. Interessante – e vocês <strong>de</strong>vem ter notado o fato – no poema<br />
“Motivo”, logo no início <strong>de</strong> Viagem, Cecília diz:<br />
Eu canto porque o instante existe,<br />
e a minha vida está completa.<br />
Não sou alegre nem sou triste:<br />
sou poeta.<br />
Ela se chama poeta e não foi por necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> rimar, evi<strong>de</strong>ntemente.<br />
Mas poetisa”, já dizia Tristão <strong>de</strong> Athay<strong>de</strong>, é “... para mim das palavras mais<br />
antipáticas que conheço.” (22) E o notável crítico literário acaba fazendo uma<br />
gracinha (ele não é muito disso): “Poetisa... Ou será que a gramática, tal como<br />
as leis, seja obra <strong>de</strong> homens (penso que não há mulheres gramáticas, ao menos<br />
entre nós... (até os anos 30, acrescentamos nós) e o termo “poeta”, como a<br />
terminação indica, já seja um termo feminino? E nesse caso o masculino é que<br />
seria pouco atraente...” (23) Na época, poucos – exceção feita dos mo<strong>de</strong>rnistas<br />
revolucionários – ousariam ir <strong>de</strong>liberadamente contra a gramática. A gran<strong>de</strong>za<br />
<strong>de</strong> Cecília, contudo, foi tamanha que, um dia, nas vésperas <strong>de</strong> sua morte, o<br />
famoso crítico, ensaísta e historiador da literatura mundial Otto Maria<br />
Carpeaux, querendo homenagear Cecília Meireles em seu sexagésimo terceiro<br />
aniversário, que ocorreu em 7 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1964 (e ela morreria dois dias<br />
<strong>de</strong>pois), escreveu um artigo para a revista Leitura, <strong>de</strong> outubro/novembro <strong>de</strong><br />
1964, intitulado “Cecília Meireles, Poeta”. E resolveu discutir a questão do<br />
vocábulo “poeta” ou “poetisa”. Para as mulheres, dizia ele, “inventaram a<br />
palavra ‘poetisa’. É preciso acabar com esse absurdo (sic!). (24) Poesia é feita<br />
por poetas e por mais ninguém. Quem não sabe fazê-la, não merece o nome <strong>de</strong><br />
poeta, mesmo que tenha escrito cem volumes <strong>de</strong> versos; é – isto sim –<br />
poetastro, e são legião. Os poetas são raros, sem diferença <strong>de</strong> sexo. Cecília<br />
Meireles não é poetisa. É poeta, como Teresa <strong>de</strong> Ávila e Emily Dickinson<br />
foram poetas. Assim pensamos no gran<strong>de</strong> poeta Cecília Meireles no<br />
aniversários <strong>de</strong> seu nascimento.” (25) Talvez alguém não concor<strong>de</strong> com<br />
Carpeaux ou Tristão <strong>de</strong> Athay<strong>de</strong>. E ninguém está obrigado a isso. É uma<br />
questão <strong>de</strong> gosto e preferência.<br />
Se ultrapassarmos, porém, essa questão vocabular e semântica, teremos<br />
<strong>de</strong> dar razão a Otto Maria Carpeaux em outro ponto: “O que seria necessário<br />
fazer (...) é uma exegese estilística <strong>de</strong> uma centena das mais belas poesias <strong>de</strong><br />
Cecília Meireles, talvez muito mais do que uma centena, pois não conheço<br />
outro poeta brasileiro – nem sequer entre os maiores – cuja inspiração lírica se