guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e Jacques Maritain ________________________________ Paulo Sérgio Malheiros dos Santos 215<br />
mundo imensamente secular, humanizado; mas, ao mesmo tempo, nele tudo<br />
ainda é sagrado, redimido pelo sangue do Re<strong>de</strong>ntor e nenhum outro estilo<br />
arquitetônico exprime tamanha exaltação mística. A cida<strong>de</strong> vive em função <strong>de</strong><br />
sua catedral que faz a ponte do humano ao divino e está para seu mundo como<br />
o teatro estava para a ética dos gregos. Aos poucos, essa sagração do Universo,<br />
congregada pela cristanda<strong>de</strong> medieval, vai se dissolver; e <strong>de</strong>samparado <strong>de</strong> sua<br />
religiosida<strong>de</strong>, o homem “existencialista” do fim do século XV começa a<br />
“procurar em terra hostil um lugar para sua autonomia recém <strong>de</strong>scoberta”.<br />
(MARITAIN, 1999: 34).<br />
A terra hostil se revelará, <strong>de</strong>pois, fértil. E uma terceira fase inicia-se com<br />
o Renascimento. São várias as conquistas a justificar tal nome – os progressos<br />
científicos, o conhecimento astronômico e da própria Terra, revelada pelas<br />
gran<strong>de</strong>s navegações, o estudo da anatomia, a perspectiva na pintura. Um<br />
sentimento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong> ambição concorre para a explosão do individualismo.<br />
Sob esse aspecto, inicia-se a Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. O homem percebe-se como criador.<br />
As Coisas, a natureza, quando o homem as retrata, servem-lhe apenas <strong>de</strong><br />
pretexto para a criação <strong>de</strong> um universo imaginário e pessoal. Mais que o objeto<br />
representado, valoriza-se subjetivamente o modo segundo o qual o artista<br />
realiza o retrato. E este traz, necessariamente, a marca individual <strong>de</strong> seu autor<br />
(cf. MARITAIN, op. cit.: 36).<br />
Aparece o <strong>de</strong>sejo da fama; o artista <strong>de</strong>seja ser conhecido e admirado em<br />
vida e entre os vivos. Dois gêneros artísticos, <strong>de</strong> pouca conta até então, tornamse<br />
comuns, testemunhando o apreço à vida temporal: o retrato pessoal, quase<br />
inexistente na Ida<strong>de</strong> Média, aparece, então, com a exigência <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao<br />
mo<strong>de</strong>lo; e as biografias, inclusive as <strong>de</strong> artistas – como o livro <strong>de</strong> Vasari sobre<br />
arquitetos, pintores e escultores italianos – substituem as edificantes Vidas dos<br />
Santos. Em muitas pinturas religiosas, o retrato do pintor ou do seu patrono<br />
convive com as figuras sagradas. O corpo humano, vestido no período anterior,<br />
<strong>de</strong>snuda-se pelo exemplo da Antigüida<strong>de</strong> e é estudado cientificamente, bastando-nos<br />
lembrar as dissecações encomendadas por Leonardo da Vinci. Ou<br />
seja, o corpo humano <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> representar uma dimensão do divino e passa a<br />
ser observado, não só no seu exterior, mas também interiormente, com interesse<br />
anatômico.<br />
Nos séculos seguintes, contrastando com esse período <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobertas e<br />
criativida<strong>de</strong>, há uma forte tendência à normatização, à ditadura <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los<br />
impostos e padronizados. Mas nem a tendência clássica para o aca<strong>de</strong>mismo,<br />
para o naturalismo mimético e o gosto pela perfeição dos meios, característicos<br />
dos dois séculos posteriores, foram insuficientes para <strong>de</strong>struir a afirmação da