15.04.2013 Views

guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Miguilim: uma outra epopéia <strong>de</strong> João Guimarães Rosa ___________________________________ Alaor Barbosa 77<br />

coragem ou com superação do medo, os <strong>de</strong>safios inerentes à vida. Sendo o<br />

homem, e é, na exata formulação <strong>de</strong> Ortega y Gasset, ele e sua circunstância,<br />

bem po<strong>de</strong> acontecer que, vivendo uma vida comum e sem portentosos,<br />

extraordinários acontecimentos, não tenha nunca ocasião <strong>de</strong> atuar com outra<br />

gran<strong>de</strong>za que a <strong>de</strong> ser válido e eficaz conforme as pequenas circunstâncias em<br />

que lhe <strong>de</strong>corre a vida; mas esse homem po<strong>de</strong> ser, penso eu, consi<strong>de</strong>rado herói.<br />

O seu heroísmo é que é o verda<strong>de</strong>iro heroísmo <strong>de</strong> que necessita o Homem.<br />

Aquela outra espécie <strong>de</strong> heroísmo – o das virtu<strong>de</strong>s guerreiras – po<strong>de</strong> ser,<br />

alguma vez, uma necessida<strong>de</strong> inelutável. Mas pertence à Pré-História do<br />

Homem. Pré-História em que ainda <strong>de</strong>scontrolados navegamos, e que ainda<br />

estaremos a atravessar, muito infelizes, enquanto houver guerras, explorações e<br />

alienações em nossa vida individual e em nossa vida nacional e internacional.<br />

Quanto a mim, alimento no meu incansável espírito a esperança <strong>de</strong> que o<br />

Homem termine superando, mas não sei quando, esta fase teneb<strong>rosa</strong> da sua<br />

trajetória e venha a erigir como valores primaciais da sua vida o trabalho<br />

construtivo, a abnegação e a solidarieda<strong>de</strong> em lugar da coragem que serve à<br />

<strong>de</strong>strutivida<strong>de</strong> bélica. Quando o Homem valorizar <strong>de</strong> modo certo e justo o<br />

verda<strong>de</strong>iro heroísmo humano, estará enfim livre da tendência e prática atuais <strong>de</strong><br />

imaginar <strong>de</strong>uses e heróis com que entreter suas esperanças e i<strong>de</strong>ais.<br />

Finalmente, mais uma observação preliminar: a epopéia literária na sua<br />

forma antiga e tradicional <strong>de</strong>sapareceu há muito tempo <strong>de</strong> quase todas as<br />

literaturas, e foi substituída e sucedida por um novo tipo <strong>de</strong> epopéia – em que<br />

não existem, embora possam existir, heróis na também antiga concepção <strong>de</strong><br />

heroísmo. Eu disse “quase” por me lembrar do caso da brasileira epopéia que<br />

se chama Gran<strong>de</strong> Sertão: Veredas, – uma meia exceção solitária no panorama<br />

literário oci<strong>de</strong>ntal dos últimos 300 anos. A <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira epopéia do Oci<strong>de</strong>nte foi,<br />

aliás, uma anti-epopéia: a daquele estranho, pobre e lamentável herói, ou antiherói,<br />

cuja história principia com aquelas palavras famosas que sabemos: “En<br />

un lugar <strong>de</strong> La Mancha, <strong>de</strong> que no quiero acordarme...” Na epopéia mo<strong>de</strong>rna,<br />

sucessora da antiga, o personagem herói foi substituído pelo “personagem<br />

principal”, que, muita vez, não passa <strong>de</strong> um anti-herói, ou mesmo um nãoherói:<br />

uma personalida<strong>de</strong> vencida. Posso citar duas epopéias <strong>de</strong>ssas: uma,<br />

Ilusões perdidas, <strong>de</strong> Honoré <strong>de</strong> Balzac, conta a história <strong>de</strong> um personagem<br />

per<strong>de</strong>dor, Lucien <strong>de</strong> Rubempré; a outra, Crime e castigo, <strong>de</strong> Fiódor<br />

Doistoievski, narra também a trajetória <strong>de</strong> um personagem, Raskólnikov,<br />

igualmente <strong>de</strong>rrotado, mas que consegue se redimir graças ao advento <strong>de</strong> um<br />

amor salvador em sua dramática vida. Riobaldo Tatarana, o protagonista mor<br />

Gran<strong>de</strong> Sertão: Veredas, também po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado, apesar dos seus

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!