15.04.2013 Views

guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

162 _______________________________________________ REVISTA DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS<br />

A memória que ainda temos da conferência é pouco transparente.<br />

Lembramo-nos <strong>de</strong> que enten<strong>de</strong>mos muito pouco do que ele dizia. Ainda que<br />

com ascen<strong>de</strong>ntes portugueses ainda vivos naquela época, o sotaque que nos era<br />

familiar vinha das proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Coimbra, <strong>de</strong> um Lugar das Agras, perto <strong>de</strong><br />

Arouca, e não o que era, para nós, criados na molície <strong>de</strong> uma linguagem ainda<br />

não <strong>de</strong> todo urbanizada e pasteurizada pela televisão, um cerrado português<br />

açoriano. Menos ainda enten<strong>de</strong>ram nossos colegas para quem o português<br />

europeu já começava a ser algo um pouco distante. Vitorino Nemésio foi a<br />

nossa primeira lição <strong>de</strong> dialetologia portuguesa.<br />

Saídos da conferência, fomos buscar alguma obra <strong>de</strong> Nemésio para ler.<br />

Na pobreza do acervo da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minas Gerais, só encontramos um<br />

livro do autor, um exemplar dos dois volumes <strong>de</strong> A Mocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Herculano, na<br />

biblioteca especial da reitoria. E esta foi a gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> nossos<br />

primeiros anos universitários. Vista com quase meio século <strong>de</strong> distância, foi a<br />

tese doutoral <strong>de</strong> Vitoriono Nemésio que nos <strong>de</strong>u a noção do que era o estudo<br />

rigoroso da literatura, até então reduzido quase exclusivamente aos manuais<br />

escolares <strong>de</strong> história literária e um que outro artigo <strong>de</strong> suplemento dominical <strong>de</strong><br />

jornal. Mais do que qualquer outra influência inicial, foi o livro <strong>de</strong> Vitorino<br />

Nemésio que nos assegurou que a literatura podia ser também tratada com um<br />

rigor intelectual que igualava nossas preocupações, como “scholars”, às <strong>de</strong><br />

nossos colegas <strong>de</strong> outras áreas humanísticas, da História ou da Filosofia.<br />

Bastante pro domo mea neste momento.<br />

Em 1952, Belo Horizonte era um símbolo brasileiro – ou luso-brasileiro<br />

– <strong>de</strong> expansão interiorana, tanto quanto será, anos <strong>de</strong>pois, Brasília. Foi assim<br />

que Vitorino Nemésio percebeu a cida<strong>de</strong>: uma “Babel <strong>de</strong> lumes”, com “castelos<br />

<strong>de</strong> apartamentos”, uma “cida<strong>de</strong> abstrata”, à qual faltava a pátina do tempo e da<br />

tradição. Mais <strong>de</strong> vinte anos <strong>de</strong>pois repetirá a mesma sensação, ao dizer-se<br />

“<strong>de</strong>slumbrado” por Brasília, embora qualifique este <strong>de</strong>slumbramento como<br />

imagem <strong>de</strong> algo que pertence a todo “homem mo<strong>de</strong>rno”, mas cuja distância<br />

com relação ao vivido não po<strong>de</strong> exprimir.<br />

Ao chegar a Belo Horizonte, Vitorino Nemésio reconhece imediatamente<br />

uma pequena parte <strong>de</strong> sua história pessoal. A avenida Afonso Pena, que<br />

atravessa a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ponta a ponta – e em cujo centro se encontrava aquela<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia on<strong>de</strong> ele teve seu auditório – lembra-lhe o tio que<br />

emigrara para a Bahia, e que ele <strong>de</strong>screve em outra oportunida<strong>de</strong>:<br />

“A minha Baía imaginária já vinha traçada <strong>de</strong> antes. Lembro-me muito<br />

bem. Era o en<strong>de</strong>reço semestral <strong>de</strong> meu velho tio José, que veio em menino<br />

labutar no atacado <strong>de</strong> ‘seu’ João Borges do Rego, morador no Caquen<strong>de</strong>, e que

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!