15.04.2013 Views

guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

A inquietante estranheza em A Terceira Margem do Rio ___________________________ Marco Aurélio Baggio 69<br />

A apropriação por parte do ego do sujeito <strong>de</strong> atributo ou proprieda<strong>de</strong> do<br />

mundo externo, o qual se instala, tal qual, a partir daí, em seu psiquismo, é<br />

conceituado, em psicanálise, como sendo internalização.<br />

Em estágio mais avançado, o filho <strong>de</strong>senvolve uma i<strong>de</strong>ntificação<br />

introjetiva maciça para com seu pai, tornando-se como sujeito psíquico, em<br />

gran<strong>de</strong> parte igual/tal qual à imagem e parecença do pai. Faltou-lhe tão somente<br />

o encantamento e a coragem <strong>de</strong> ir “da parte <strong>de</strong> além” No momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão<br />

faltou-lhe tutano. A não se <strong>de</strong>ixar encantar, aterrorizou-se com “o além.”<br />

“Ah, a algum, isso é que é, a gente tem <strong>de</strong> vassalar”.<br />

Quem melhor senão ao bom pai?<br />

“Nosso pai era homem cumpridor, or<strong>de</strong>iro, positivo; do que eu mesmo<br />

me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros,<br />

conhecidos nossos. Só quieto.” A atitu<strong>de</strong> do pai <strong>de</strong> se internar em canoa <strong>de</strong><br />

vinhático na terceira margem do rio – seu permanente fluxo – esticou o<br />

psiquismo do filho até gerar um estado persistente e impregnante <strong>de</strong> angústia.<br />

Ficou capturado na teia paterna. Não encontrando explicação para a trama, o<br />

filho ficou a<strong>de</strong>rido à gosma da servidão, restando-lhe prestar vassalagem ao<br />

gran<strong>de</strong> senhor do rio. Encarregou-se <strong>de</strong> abastecer o pai dos alimentos e das<br />

roupas <strong>de</strong> que ele, pai, vinha <strong>de</strong>sentocar, para se manter vivo enquanto as<br />

forças não lhe faltassem.<br />

“Mostrei o <strong>de</strong> comer, <strong>de</strong>positei num oco <strong>de</strong> pedra do barranco, a salvo <strong>de</strong><br />

bicho mexer e a seco <strong>de</strong> chuva e orvalho. Isso, que fiz, e refiz, sempre, tempos<br />

a fora.”<br />

Os anos passaram. “Os tempos mudavam, no <strong>de</strong>vagar <strong>de</strong>pressa dos<br />

tempos.” “Eu fiquei aqui, <strong>de</strong> resto. Eu nunca podia querer me casar. Eu<br />

permaneci, com as bagagens da vida. Nosso pai carecia <strong>de</strong> mim, eu sei – na<br />

vagação, no rio no ermo – sem dar razão <strong>de</strong> seu feito”.<br />

Fixado no pai, fisgado por sua postura imperscrutável, fascinado por sua<br />

misteriosa e inquietante atitu<strong>de</strong>, o filho permanece capturado pelo mandato <strong>de</strong><br />

nutrir e <strong>de</strong> zelar, no possível, pelo espectro do pai. É assim que o filho adquire<br />

uma forte e significativa razão <strong>de</strong> ser e <strong>de</strong> viver. Este, seu emprego e sua<br />

profissão, malgré elle même.<br />

O filho torna-se uma versão vassala, submissa <strong>de</strong> um pai portentoso em<br />

sua inovação. Assim, pouco evoluído no que tange a erigir sua própria<br />

pessoalida<strong>de</strong>, o filho adquire cabelos brancos e torna-se homem <strong>de</strong> tristes<br />

palavras. Castrado por não po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>sabrochar suas livres disponibilida<strong>de</strong>s ao<br />

não seguir vida própria, por seu querer governada, o filho é invadido pela<br />

culpa.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!