guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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140 _______________________________________________ REVISTA DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS<br />
que, principalmente, a luta pela reforma do ensino no Brasil, tendo ela se unido<br />
ao grupo da chamada Escola Nova, <strong>de</strong> Anísio Teixeira, Fernando Azevedo,<br />
Lourenço Filho etc., ligados ao pensamento <strong>de</strong> John Dewey, isto é, a uma visão<br />
da educação baseada no pragmatismo, no individualismo, no neutralismo<br />
religioso (nem tão neutro assim, porque se proibia na escola todo ensino<br />
religioso, e mesmo “qualquer preocupação <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m religiosa”, como diz<br />
Valéria Lamego) (11), no privilegiamento da escola pública contra a escola<br />
privada e no emprego <strong>de</strong> um método e uma filosofia educacional escolhidos e<br />
impostos pelo Estado, enquanto a Igreja, tendo à frente o Pe. Leonel Franca,<br />
S.J., Tristão <strong>de</strong> Athay<strong>de</strong>, o Car<strong>de</strong>al Leme, o grupo do Centro Dom Vital e da<br />
Ação Católica, tomava posição contrária, a partir <strong>de</strong> uma filosofia fundamentada<br />
na PESSOA humana, na liberda<strong>de</strong> pedagógica, no direito <strong>de</strong> a família<br />
escolher a escola <strong>de</strong> seus filhos etc. Cecília Meireles <strong>de</strong>ve ter ficado magoada e<br />
estremecida com a Igreja Católica.<br />
Sua religiosida<strong>de</strong>, porém, continuou aguçada, embora mais influenciada<br />
agora pela mística oriental, por poetas religiosos tão gran<strong>de</strong>s quanto o encantado<br />
e encantador “príncipe” hindu, Rabindranath Tagore, <strong>de</strong> quem ela traduziu<br />
vários livros em p<strong>rosa</strong> e verso. O coração <strong>de</strong> Cecília ficou mais melancólico,<br />
mais pessimista, com traços, aqui e ali, <strong>de</strong> niilismo. Para ela, a vida vira ilusão<br />
e ela “contempla niilisticamente a morte como adormecimento”, segundo<br />
observa Darcy Damasceno. (12) São ecos do “nirvana”, <strong>de</strong> “maya”; <strong>de</strong> modo<br />
geral, do hinduísmo, para o qual “o mundo fenomenal é uma ilusão”. “Tudo o<br />
que não é Braman não existe. A multiplicida<strong>de</strong>, varieda<strong>de</strong> e fluxo contínuo dos<br />
seres é uma gran<strong>de</strong> fantasmagoria, uma criação ilusória dos sentidos.” (13)<br />
Mas Cecília não se “converteu” a nenhum bramanismo ortodoxo, <strong>de</strong>ixouse<br />
apenas tomar poeticamente <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong> seus sentimentos e idéias. Não tinha<br />
nenhuma vocação ao niilismo, embora tivesse uma alma essencialmente<br />
melancólica, por um sentimento radical da transitorieda<strong>de</strong> e precarieda<strong>de</strong> do<br />
mundo e dos sentidos. E, assim, ela, aos poucos, reencontrou o equilíbrio entre<br />
“a apreensão do real e a <strong>de</strong>scrença nele”. E foi a Poesia, especialmente a<br />
Canção que lhe forneceu a fórmula capaz <strong>de</strong> “reinventar a vida”. Darcy Damasceno,<br />
que faz ou sugere essas reflexões, acrescenta que “o instrumento <strong>de</strong> tal<br />
reinvenção é o canto, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo constituiu para Cecília Meireles profissão<br />
<strong>de</strong> fé”. Isso não lhe tira a fina ponta da melancolia, que vem <strong>de</strong> uma contemplação<br />
do “nada” <strong>de</strong>ste mundo, do insatisfatório das coisas <strong>de</strong>ste éon. Ora, este<br />
é um sentimento profundamente cristão, já expresso por S. Paulo: Transit enim<br />
figura hujus mundi. Isto é, passa, e passa muito rápido, a figura <strong>de</strong>ste mundo.<br />
Apegar-se a isso que a cada instante nos escapa e nos engana, não vale a pena.