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guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

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142 _______________________________________________ REVISTA DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS<br />

Não me interessam mais nem as estrelas, nem as formas<br />

[do mar,<br />

nem tu.<br />

Desenrolei <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do tempo a minha canção:<br />

não tenho inveja às cigarras: também vou morrer <strong>de</strong><br />

cantar.<br />

(“Aceitação”, in Viagem, O.c., p. 21.)<br />

A alma <strong>de</strong> Cecília – que é, afinal, a alma da humanida<strong>de</strong> – diante da<br />

recusa, da insensibilida<strong>de</strong>, da indiferença do mundo, não o<strong>de</strong>ia, não se revolta,<br />

não <strong>de</strong>sespera, nem apela para o nada. “Aceita”, encontra no canto outra forma<br />

<strong>de</strong> viver, <strong>de</strong> amar. Mas não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> sentir a dor, “a melancolia <strong>de</strong> saber<br />

inexorável o <strong>de</strong>curso do tempo e precário todo empreendimento humano”.<br />

“Nessa melancolia precisamente – diz Darcy Damasceno – vamos encontrar a<br />

essência da canção ceciliana.” (15)<br />

Aqui me ocorre um pensamento <strong>de</strong> Edgar Allan Poe: para ele, poesia é,<br />

antes <strong>de</strong> tudo, “beleza”. Mas – pergunta ele – em que tom a beleza poética se<br />

manifesta? E respon<strong>de</strong>: “Todas as experiências têm <strong>de</strong>monstrado que esse tom<br />

é o da tristeza. A beleza <strong>de</strong> qualquer espécie, em seu <strong>de</strong>senvolvimento<br />

supremo, invariavelmente, provoca na alma sensitiva as lágrimas. A melancolia<br />

é, assim, o mais legítimo <strong>de</strong> todos os tons poéticos.”(16) Cecília encontrou esse<br />

tom, o mais genuíno dos tons poéticos.<br />

7 – A música interior da “canção” (2)<br />

O “canto” foi, pois, para Cecília, a ponte <strong>de</strong> ligação com a vida e o<br />

<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> viver, que parecia perdido no pessimismo hinduísta, trocado por uma<br />

aspiração niilista ao nirvana. Foi através <strong>de</strong>le que se <strong>de</strong>u, para ela, a reinvenção<br />

da esperança. Sem per<strong>de</strong>r o tom melancólico <strong>de</strong> quem experimentou muito<br />

profundamente o precário e ilusório das coisas <strong>de</strong>ste mundo dos sentidos; um<br />

mundo que a experiência sensorial e as ciências atingem e, <strong>de</strong> algum modo, nos<br />

impingem como a única realida<strong>de</strong>. O canto ceciliano reconquista as sutis<br />

amarras da gente com a vida.<br />

É bom notar, porém, que a música na poesia <strong>de</strong> Cecília Meireles não é<br />

apenas uma questão <strong>de</strong> forma, <strong>de</strong> ritmo mecânico ou matemático. Cecília era

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