guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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Humor inteligente e crítico na dose certa _____________________________________ Beatriz Teixeira <strong>de</strong> Salles 131<br />
Meus livrinhos são uma espécie <strong>de</strong> catarse: escrevo romances em 15<br />
dias, 50 laudas por dia. A obrigação regular <strong>de</strong> fazer crônicas (no momento, 41<br />
mensais) nunca foi um trabalho, mas um prazer. Tenho sorte <strong>de</strong> trabalhar no<br />
que gosto; adoro o “fazimento”, isto é, o ato <strong>de</strong> fazer.<br />
Certa vez, Fernando Sabino disse que o trabalho diário numa<br />
redação <strong>de</strong> jornal inviabiliza o exercício da literatura. Na época em que<br />
trabalhou em redação, você conseguia escrever textos literários?<br />
Nos anos em que batalhei numa redação não tinha tempo para mais nada.<br />
Entrava no jornal às 7h da matina e voltava para casa às 21h, recém-casado,<br />
uma filha pequena.<br />
Gostaria que falasse um pouco sobre sua vida rural. Você viveu em<br />
fazendas por algum tempo, não?<br />
Vivi na roça gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> minha vida adulta, primeiro solteiro (na<br />
fronteira com o Paraguai e no Oeste <strong>de</strong> Minas), <strong>de</strong>pois casado, quatro ou cinco<br />
anos morando num alto <strong>de</strong> serra, sem luz, telefone e estradas, três filhas<br />
pequenas. Só voltei à cida<strong>de</strong> quando as três filhas eram obrigadas a sair da<br />
fazenda antes das 6h e voltavam às 19h – colégio, cursos <strong>de</strong> inglês, natação,<br />
alemão etc. – porque os horários eram diferentes e umas ficavam fazendo hora,<br />
na cida<strong>de</strong>, esperando o término das aulas das irmãs.<br />
Mu<strong>de</strong>i-me, então, para Juiz <strong>de</strong> Fora: mulher e filhas na cida<strong>de</strong>, o<br />
fazen<strong>de</strong>iro sozinho na roça distante duas horas <strong>de</strong> automóvel. Nos finais <strong>de</strong><br />
semana, as meninas viajavam para a fazenda. Mais tar<strong>de</strong>, tinham namorados em<br />
JF, festinhas nos finais <strong>de</strong> semana, os tais arrasta-pés. Até chegar à fase dos<br />
candidatos a genros visitando a fazenda. Futuro genro não passeia a cavalo: só<br />
sabe galopar feito um doido. E não cai do cavalo. Acorda tar<strong>de</strong>. E o fazen<strong>de</strong>iro<br />
não po<strong>de</strong> comer o salaminho, o queijinho, o suquinho, os ovinhos com bacon<br />
dos cafés da manhã – tomados ao meio-dia – preparados para os namorados.<br />
Acabei dando sorte com os três genros, cavalheiros finíssimos, mas sofri o<br />
diabo com os vários candidatos que andaram na minha roça.<br />
Vinguei-me <strong>de</strong>les. No dia em que lá estiveram quatro engenheiros do<br />
ITA, botei os quatro no alto <strong>de</strong> um morro, ao sol <strong>de</strong> uma hora da tar<strong>de</strong> (logo<br />
<strong>de</strong>pois do café da manhã), procurando sinal <strong>de</strong> televisão. Acharam o sinal e um<br />
trilhão <strong>de</strong> carrapatos. Dois <strong>de</strong>les se revezavam carregando uma bateria <strong>de</strong><br />
automóvel, um carregava o televisor e o outro uma antena que mais parecia um<br />
poste da Cemig.