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guimarães rosa - Academia Mineira de Letras

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Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e Jacques Maritain ________________________________ Paulo Sérgio Malheiros dos Santos 217<br />

então, ao mesmo tempo que ajuda, obstáculo à vida da arte.” (MARITAIN,<br />

2001: 18). Outra conclusão, também tirada da história do aperfeiçoamento das<br />

jangadas, diz respeito ao trabalho do artesão. Por mais que suas <strong>de</strong>scobertas<br />

técnicas tornem-se engenhosas e aperfeiçoadas, a sua regra maior permanecerá<br />

sempre a primeira, segundo a qual seu trabalho <strong>de</strong>verá satisfazer o princípio da<br />

necessida<strong>de</strong> que o originou. Todas as outras regras, por mais sofisticadas e<br />

refinadas, tornam-se secundárias. Ainda quando há uma inegável preocupação<br />

com a beleza, essa aparece <strong>de</strong> maneira indireta, aci<strong>de</strong>ntal, exigência da criativida<strong>de</strong><br />

do espírito humano sobre a produção <strong>de</strong> um objeto utilitário. Pela mesma<br />

submissão à regra primeira, a beleza das linhas <strong>de</strong> um automóvel, exemplo das<br />

mo<strong>de</strong>rnas artes mecânicas, curva-se às exigências primordiais do bom funcionamento<br />

da sua máquina, assim como um lindo pote <strong>de</strong> argila <strong>de</strong>corado <strong>de</strong>ve<br />

armazenar e conservar a água potável.<br />

Nas belas-artes, diferentemente, o princípio primordial, a regra inicial<br />

que impulsiona o artista, não pertence a um mundo exterior ao intelecto – é a<br />

própria libertação da criativida<strong>de</strong> do espírito na busca da beleza. O intelecto<br />

esforça-se por produzir uma obra ao mesmo tempo material e espiritual, criada<br />

à imagem e semelhança do homem, e na qual permaneça um pouco da alma <strong>de</strong><br />

seu criador. A ativida<strong>de</strong> artística, nas belas-artes, encontra-se em estado puro, livre<br />

<strong>de</strong> elementos acessórios, para além do domínio do útil. Sua finalida<strong>de</strong> primeira<br />

i<strong>de</strong>ntifica-se com a própria natureza do espírito, proce<strong>de</strong> do domínio do intelecto<br />

e não <strong>de</strong> uma necessida<strong>de</strong> do mundo utilitário. “A intelectualida<strong>de</strong> da arte<br />

encontra-se, portanto, nas belas artes (apesar <strong>de</strong> mais ligada aos po<strong>de</strong>res sensíveis<br />

e emocionais), em grau mais elevado que na arte do artesão” (MARITAIN,<br />

op. cit.: 20). Daí, a noção <strong>de</strong> regra, que nas artes úteis torna-se facilmente uma<br />

aquisição normativa estável e, nas artes do belo, transforma-se consi<strong>de</strong>ravelmente,<br />

exigindo permanente renovação, acima <strong>de</strong> qualquer cânone. Pois a<br />

beleza nunca se esgota com os meios <strong>de</strong> atingi-la, seja pela adaptação das<br />

regras já consagradas ou pela criação <strong>de</strong> novas e surpreen<strong>de</strong>ntes possibilida<strong>de</strong>s.<br />

Sob esse aspecto, cada obra <strong>de</strong> arte torna-se um caso único, sem prece<strong>de</strong>ntes.<br />

Se falta ao artista a “intuição criadora”, a obra, mesmo tecnicamente perfeita,<br />

não significará nada; ao contrário, muitas realizações <strong>de</strong>feituosas trazem a marca do<br />

seu criador e impõem-se pelo o que têm a dizer (cf. MARITAIN, op. cit.: 22).<br />

As relações da teoria, domínio das regras, com a criativida<strong>de</strong> artística,<br />

domínio da intuição pessoal, sempre ocuparam o pensamento <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong><br />

Andra<strong>de</strong>. Em 1926, um artigo do escritor sobre o canto gregoriano <strong>de</strong>senvolve<br />

o tema, no sub-título O criador tem normas e o repetidor teorias, do qual<br />

transcrevemos alguns trechos, importantes para a continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse estudo:

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