guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
146 _______________________________________________ REVISTA DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS<br />
lescente, “com nenhuma inclinação para as ativida<strong>de</strong>s práticas e as profissões<br />
proveitosas”. Começou a poetar vigo<strong>rosa</strong>, embora imaturamente. Mais tar<strong>de</strong> se<br />
arrepen<strong>de</strong>ria <strong>de</strong> ter publicado os poemas da mocida<strong>de</strong>. Mas continua a fazer<br />
versos e versos, e mais, a pôr música em suas letras. Pergunta Cecília Meireles:<br />
“Gostaria, talvez, <strong>de</strong> ser menestrel, <strong>de</strong> andar <strong>de</strong> al<strong>de</strong>ia em al<strong>de</strong>ia a cantar suas<br />
composições, acompanhado por instrumentos nativos, com seu grupo <strong>de</strong> músicos<br />
ambulantes?” Seu pai lhe pusera o nome <strong>de</strong> Rabindra (Rabi, na língua <strong>de</strong>les, era<br />
o nome do Sol), <strong>de</strong>sejando mesmo que ele saísse pelo mundo a espalhar a sua<br />
luz. Tendo viajado por muitos países oci<strong>de</strong>ntais, e estudado na Inglaterra, sentia<br />
os apelos do Oci<strong>de</strong>nte; mas era indiano <strong>de</strong>mais para ser um oci<strong>de</strong>ntal.<br />
Nessa altura, “começa a apren<strong>de</strong>r «a ver»”. Até então, seus olhos<br />
estavam voltados para <strong>de</strong>ntro. Agora, ele já enxerga as coisas: a luz do dia, o<br />
olhar das crianças, a cor <strong>de</strong> uma tar<strong>de</strong>. A terra está repleta <strong>de</strong> belezas. E não só<br />
<strong>de</strong> colorido e forma, proporção e dissimetrias, mas <strong>de</strong> “acontecimentos”<br />
impon<strong>de</strong>ráveis: “um grão <strong>de</strong> orvalho carrega todo o sol, e uma criancinha po<strong>de</strong><br />
dar lições ao mais sábio dos ascetas”.<br />
É nesse momento que ele <strong>de</strong>scobre a mulher e o amor. Cecília chama a<br />
atenção sobre o assombro que a mulher lhe causa, no seio <strong>de</strong> uma Índia que<br />
cerca <strong>de</strong> adoração esse ser singular: “Ó mulher, não és apenas a obra-prima <strong>de</strong><br />
Deus” – escreve Tagore – “mas também a dos homens. Estes te enfeitam com a<br />
beleza do seu coração. / Os poetas tecem os teus véus com os fios <strong>de</strong> ouro <strong>de</strong><br />
sua fantasia: os pintores imortalizam as formas <strong>de</strong> teu corpo. / Dá suas pérolas<br />
o mar, as minas dão seu ouro, dão suas flores os jardins estivais – para que<br />
sejas mais linda e mais preciosa. / O <strong>de</strong>sejo do homem coroa <strong>de</strong> glória a tua<br />
mocida<strong>de</strong>. / És meta<strong>de</strong> mulher, meta<strong>de</strong> sonho.” (19)<br />
Por mais encantado que ele estivesse com a mulher e o amor humano,<br />
seu amor místico era maior e irreprimível. E ele acaba exclamando um dia:<br />
“Minha amada, noite e dia o meu coração ar<strong>de</strong> por te encontrar, como<br />
se encontra a morte <strong>de</strong>voradora. / Quem me <strong>de</strong>ra ser varrido por ti como por<br />
uma tempesta<strong>de</strong>! / Toma tudo quanto tenho; <strong>de</strong>strói meu sono e arrebata os<br />
meus sonhos. Tira-me a vida! / Por essa <strong>de</strong>vastação, por essa provação total<br />
da minha alma, formemos um único ser <strong>de</strong> beleza! “<br />
Aí, porém, ele se interrompe e exclama:<br />
“Ah! Como é vão o meu <strong>de</strong>sejo! On<strong>de</strong> a esperança da comunhão<br />
completa senão em ti, meu Deus!”