guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Sagarana: anúncio e amostra <strong>de</strong> uma revolução literária ________________________________ Ângela Vaz Leão 91<br />
Essa é, em resumo, a história das sucessivas reelaborações e simples<br />
reimpressões que fizeram dos contos <strong>de</strong> Sagarana o que eles são hoje.<br />
Magnífica lição para alguns escritores aprendizes, que, às vezes, preten<strong>de</strong>m<br />
“produzir” um texto <strong>de</strong> uma só penada, ou melhor, <strong>de</strong> uma só digitada, sem se<br />
darem ao trabalho sequer <strong>de</strong> uma releitura! Pelo menos, é nessas condições que<br />
muitos universitários apresentam hoje seus trabalhos ao professor: digitados<br />
(ou digitalizados), sim, chiquemente digitalizados, mas sem nenhuma correção<br />
ou simples revisão, num estado lingüístico lamentável. A palavra redação até<br />
<strong>de</strong>sapareceu da nomenclatura pedagógica, diante da pressão consumista e <strong>de</strong><br />
seu termo mágico, produção. Falar em redação hoje é o mesmo que assinar um<br />
auto-atestado <strong>de</strong> velhice. Não se redige mais. Produz-se um texto, como se<br />
produz batata ou soja. Mas é preciso reconhecer que os estudantes – coitados! –<br />
são os menos responsáveis por tal situação.<br />
Pois bem, Guimarães Rosa não produziu seus textos: ele os redigiu. E os<br />
jovens <strong>de</strong>veriam ter conhecimento disso. Que se mostrem, pois, os originais do<br />
gran<strong>de</strong> estilista da língua portuguesa aos nossos estudantes! Nesse sentido, os<br />
professores <strong>de</strong> Filologia e <strong>de</strong> História da Língua po<strong>de</strong>riam fazer importante<br />
trabalho, se, nas aulas <strong>de</strong> crítica textual, além <strong>de</strong> estudar manuscritos<br />
medievais, estudassem também originais <strong>de</strong> Guimarães Rosa.<br />
Graciliano Ramos, na crônica Conversa <strong>de</strong> bastidores, publicada<br />
originalmente na revista A casa, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em junho <strong>de</strong> 1946, e<br />
reproduzida em 1968, no volume Em memória <strong>de</strong> João Guimarães Rosa, <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong> da editora José Olympio, relata como se <strong>de</strong>u a atribuição do<br />
Prêmio Humberto <strong>de</strong> Campos a Luiz Jardim, ficando os Contos do <strong>de</strong>sconhecido<br />
Viator em segundo lugar. Narra <strong>de</strong>pois o seu primeiro encontro com<br />
Guimarães Rosa, em fins <strong>de</strong> 1944, quando finalmente i<strong>de</strong>ntifica quem era o tal<br />
Viator. Passa a interessantíssimas observações sobre Sagarana, falando<br />
justamente da capina e da <strong>de</strong>puração operada no original dos contos primitivos<br />
pelo seu autor. Quase que à guisa <strong>de</strong> conclusão, diz Graciliano Ramos:<br />
A arte <strong>de</strong> Rosa é terrivelmente difícil. Esse antimo<strong>de</strong>rnista repele o<br />
improviso. Com imenso esforço escolhe palavras simples e nos dá<br />
a impressão <strong>de</strong> vida numa nesga <strong>de</strong> catinga, num gesto <strong>de</strong><br />
caboclo, numa conversa cheia <strong>de</strong> provérbios matutos. O seu<br />
diálogo é rebuscadamente natural: <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nha o recurso ingênuo <strong>de</strong><br />
cortar “ss”, “ll” e “rr” finais, <strong>de</strong> <strong>de</strong>turpar flexões, e aproxima-se,<br />
tanto quanto possível, da língua do interior. (op. cit, p. 45)