guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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Corpo <strong>de</strong> Baile: <strong>de</strong> Miguilim a Miguel ___________________________________ Carmen Schnei<strong>de</strong>r Guimarães 53<br />
O tratado é para ser lido sem pressa, no tempo da colheita <strong>de</strong> cultura<br />
literária, na <strong>de</strong>gustação da palavra novinha em forma, criada ou recriada, ou na<br />
percepção do vocábulo enxotado <strong>de</strong> há muito das pare<strong>de</strong>s lingüísticas <strong>de</strong> nossa<br />
literatura. Saboreia-se a idéia e a criação da idéia, assim <strong>de</strong>fendida e resguardada<br />
do ostracismo <strong>de</strong>saconselhado. O escritor escrevia <strong>de</strong>vagar, agilmente,<br />
pensando o pensar do personagem. Descrevia o corpo, a imagem, o vulto com a<br />
presença viva gerada pelo intelecto. Levantava-se ali, diante <strong>de</strong>le, e <strong>de</strong> nós leitores,<br />
um ser vivo, pessoa criada com amor e raça; parava na idéia do homem bom ou<br />
mau, no caráter e na índole, com a palavra que o trazia para fora do texto e o<br />
figurava humano. O termo vinha buscado com precisão, distante <strong>de</strong> seu tempo,<br />
mas próximo daquela criatura que sempre vivera na terra estranha das gerais.<br />
Quem tiver pressa, não leia o homem <strong>de</strong> Cordisburgo. De arranco,<br />
apenas para conhecer o final da estória, não é o recomendado. Os contos, as<br />
novelas e os romances <strong>de</strong> Guimarães Rosa não guardam finais felizes! Na<br />
verda<strong>de</strong>, o que menos se <strong>de</strong>ve buscar nessas leituras é um happy end. O enredo<br />
se envolve com as peripécias reais da vida e se per<strong>de</strong> no turbilhão <strong>de</strong> notícias e<br />
casos circunstanciais. Quando se espera a recuperação <strong>de</strong> um atalho <strong>de</strong> estória,<br />
surge uma nova, empanando o <strong>de</strong>stino daquela primeira.<br />
O índice do livro, que temos para estudos, abre-se <strong>de</strong>sta forma: Os<br />
Poemas: Campo Geral, Uma Estória <strong>de</strong> Amor, A Estória <strong>de</strong> Lélio e Lina, O<br />
Recado do Morro, Lão-Dalalão (Dão-Dalalão), “Cara <strong>de</strong> Bronze” e Buriti.<br />
A referência a Plotino, feita por Guimarães Rosa, vem expressa na<br />
introdução <strong>de</strong> seu livro. Cita-o:<br />
Porque, em todas as circunstâncias da vida real, não é a alma <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
nós, mas sua sombra, o homem exterior, que geme, se lamenta e <strong>de</strong>sempenha<br />
todos os papéis neste teatro <strong>de</strong> palcos múltiplos, que é a terra inteira.<br />
Seu ato, é pois, um ato <strong>de</strong> artista, comparável ao movimento do<br />
dançador; o dançador é a imagem <strong>de</strong>sta vida, que proce<strong>de</strong> com arte; a arte da<br />
dança dirige seus movimentos; a vida age semelhantemente com o vivente.<br />
E nos perguntamos: o que estaria insinuando o autor com essas referências?<br />
Talvez quisesse dizer que seu julgamento a respeito dos personagens <strong>de</strong><br />
suas estórias era apenas superficial, ilusório; que estabelecia com eles um<br />
gran<strong>de</strong> balé <strong>de</strong> vida rural na periferia sertaneja, e que caberia a nós, leitores, a<br />
avaliação real <strong>de</strong> suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s.<br />
O livro dá a palavra inicial à novela Campo Geral, como se disse, e o<br />
autor traça a infância <strong>de</strong> Miguel, o Miguilim, nascido nos confins dos gerais,