guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Permanência <strong>de</strong> Cecília ________________________________________________________ Pe. Paschoal Rangel 141<br />
Saber disso po<strong>de</strong> ser sabedoria. Mas dá uma certa tristeza também. Por outro<br />
lado, sem uma certa melancolia, que não tira a esperança, mas <strong>de</strong>ixa uma dor<br />
serena na raiz da alma, não há nenhuma poesia, que mereça este nome. Por<br />
isso, ela canta. E vai morrer <strong>de</strong> cantar.<br />
6 – A música interior da “canção” (1)<br />
Víamos que a única porta <strong>de</strong> saída para o niilismo, que andou rondando o<br />
universo <strong>de</strong> Cecília Meireles, meio <strong>de</strong>cepcionada com a Igreja Católica e<br />
atraída pelo hinduísmo, era a “reinvenção da vida” e que o instrumento <strong>de</strong> tal<br />
reinvenção, como disse Darcy Damasceno, foi para ela “o canto”, que lhe<br />
constituiu, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo, profissão <strong>de</strong> fé.<br />
A canção, em Cecília, é uma música interior, que a embala e move, e se<br />
mistura com a idéia e a sensação <strong>de</strong> “viagem”: “Vaga Música” parece absorver,<br />
num título <strong>de</strong> livro, canto e mobilida<strong>de</strong>. Esse “vaga” não aponta apenas para o<br />
in<strong>de</strong>finido. Parece incluir – especialmente na poeta – uma <strong>de</strong>liberada alusão a<br />
“vagar”, andar por aí, viajar... E ela vai, mas vai cantando. E, cantando, ajuda o<br />
mundo. Po<strong>de</strong> espantar os homens práticos que alguém se proponha ajudar o<br />
mundo a “sonhar”. Mas o sonho po<strong>de</strong> assumir o papel da “utopia”, no melhor<br />
sentido da palavra. Sonhar, neste sentido, alimenta o coração e a vonta<strong>de</strong> e<br />
po<strong>de</strong> levar à ação. Des<strong>de</strong> que se saiba que o sonho é sonho.<br />
Mas o mundo está dormindo<br />
em travesseiros <strong>de</strong> luar.<br />
A mulher do canto lindo<br />
Ajuda o mundo a sonhar,<br />
Com o canto que a vai matando,<br />
ai!<br />
E morrerá <strong>de</strong> cantar. (“Sereia” in Viagem) (14)<br />
A mulher do canto lindo (um pouco sereia, e seduz; e atrai; um pouco<br />
cigarra, e morre do canto com que ajuda o mundo), canta e não se nega a<br />
ir morrendo à medida que canta para ajudar o mundo a sonhar, isto é, a manter<br />
vivas suas utopias estimulantes. Diante <strong>de</strong> um mundo adverso, que se<br />
escon<strong>de</strong> ao amor, que se escusa e foge, ela acaba fazendo um ato <strong>de</strong> “aceitação”:<br />
se o mundo não a quer, ela “viaja”. Vai “vagar” e cantar, vai “morar”<br />
na canção: