guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
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GRANDE SERTÃO: VEREDAS<br />
* Crítico literário, escritor. Ocupa a ca<strong>de</strong>ira nº 8 da <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> Brasileira <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>.<br />
Antônio Olinto*<br />
Histórias, o povo as contou sempre. Des<strong>de</strong> os primeiros tempos da<br />
linguagem humana, os indivíduos e as coletivida<strong>de</strong>s, no viver seus dias, no<br />
realizar suas tarefas, no usar as mãos, no conhecer coisas, muito tiveram que<br />
relatar e sempre em tal sentiram prazer. Um <strong>de</strong> nossos mistérios, e <strong>de</strong> nossas<br />
alegrias, é o sermos tão diferentes uns dos outros e, no entanto, ao mesmo<br />
tempo, com <strong>de</strong>nominadores tão comuns, que as histórias, ou a História, <strong>de</strong><br />
gente viva, conseguem <strong>de</strong>spertar em nós um ímpeto <strong>de</strong> reconhecimento, por<br />
estranhas que sejam à experiência e às aspirações particulares <strong>de</strong> cada uma. Os<br />
heróis <strong>de</strong> Homero, <strong>de</strong> Cervantes, <strong>de</strong> Rabelais, <strong>de</strong> Boccaccio, <strong>de</strong> Goethe, <strong>de</strong><br />
Voltaire, <strong>de</strong> Balzac, <strong>de</strong> Dostoiévski, <strong>de</strong> Hardy, <strong>de</strong> Machado, têm atitu<strong>de</strong>s e<br />
vivem acontecimentos que, em maior ou menor grau, são os da vida que continua<br />
sendo vivida hoje. É por esse caráter vital que a história contada se separa<br />
<strong>de</strong> seu autor e atinge fundo os que <strong>de</strong>la tomam conhecimento.<br />
Durante muito tempo, o romance – que se tornou a mais comum das<br />
formas <strong>de</strong> história contada – viveu <strong>de</strong> fatos essenciais, ligados às coisas básicas:<br />
o amor, a comida, a casa, a terra.<br />
Aventuras, lutas, viagens, retiradas, avanços; tudo isto fazia parte <strong>de</strong>ssa<br />
essencialida<strong>de</strong>, em que entravam como elementos <strong>de</strong> tessitura, a cobiça, a<br />
ambição, a inveja, ou a ironia, ou a bonda<strong>de</strong>, a ternura, a solidarieda<strong>de</strong>. Os símbolos<br />
não tinham muitas nuanças; eram mesmo aquilo que <strong>de</strong>sejavam ser. O<br />
romantismo trouxe ao romance uma nova dimensão, porque vinha revelar algo<br />
que o homem tinha em si e que as condições do mundo <strong>de</strong> então punham à<br />
mostra. O movimento realista, que parecia apenas uma reação contra o romantismo,<br />
não o era. Ao invés disto, conquistava outra dimensão, abrindo à<br />
narrativa um campo – em si, nem melhor, nem pior – que Boccacio e Rabelais<br />
não tinham percorrido. E o fin <strong>de</strong> siècle, com seus quarenta e tantos anos <strong>de</strong> paz