guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
190 _______________________________________________ REVISTA DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS<br />
conchas marinhas, grutas, cascatas volumosas que espalhavam na penumbra do<br />
bosque uma eterna (3) música sono<strong>rosa</strong>.<br />
Um dia Xica da Silva, que nascera no Tijuco, e ouvira falar no mar e nos<br />
navios como cousas fabulosas, <strong>de</strong>sejou, por um capricho <strong>de</strong> mulher amada,<br />
possuir um navio, não sobre as águas do oceano, mas sob o céu do Tijuco.<br />
O <strong>de</strong>sembargador, cuja fortuna colossal não encontrava impossíveis,<br />
mandou cavar um vastíssimo tanque em terreno próximo à sua morada,<br />
trazendo para o Tijuco armadores que construíram um pequeno navio, armado<br />
em brigue, no qual Xica da Silva passeava às tar<strong>de</strong>s no gran<strong>de</strong> lago artificial.<br />
João Fernan<strong>de</strong>s edificou a Igreja do Carmo, templo suntuoso que ainda<br />
hoje existe mostrando sua <strong>de</strong>cadência gloriosa.<br />
Mas apesar disso o capricho <strong>de</strong> Xica da Silva, que lhe ditara a realização<br />
<strong>de</strong>ssa obra, não pô<strong>de</strong> ser satisfeito: a Irmanda<strong>de</strong> do Carmo não permitia em seu<br />
seio indivíduos que não fossem <strong>de</strong> pura raça caucasiana e nem todo o po<strong>de</strong>r do<br />
contratador conseguiu vencer esse preconceito secular, tolo e ridículo, digamos<br />
<strong>de</strong> passagem.<br />
Esse célebre contratador aproveitou-se para as suas explorações da<br />
tibieza <strong>de</strong> ânimo do inten<strong>de</strong>nte Francisco José Pinto <strong>de</strong> Mendonça, o qual por<br />
ser muito friorento e andar freqüentemente aquecendo-se ao sol, sobre umas<br />
pedras, vestido <strong>de</strong> um largo mandrião, recebeu do povo o apelido <strong>de</strong> Mocó.<br />
Refere a crônica que, um dia, dizendo-lhe alguém que o povo lhe pusera<br />
tal alcunha, respon<strong>de</strong>u com o sotaque português: “Mucó ou não mucó sou eu<br />
quem os guberna”. Por esse tempo começava no Tijuco o fermento revolucionário,<br />
alimentado pelas idéias francesas e pela notícia das guerras da<br />
América Inglesa.<br />
O espírito revolucionário encontrou terreno favorável ali, aplicando-selhe<br />
o célebre dístico da Companhia das Índias:<br />
“Florebo quocumque ferar.”<br />
Conhecida essa agitação, Pombal manda ao Tijuco, para sindicar dos<br />
fatos, o governador, con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Valadares, que tinha também a incumbência <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>nar ao <strong>de</strong>sembargador um passeio a Lisboa.<br />
Chegado ao Tijuco o governador João Fernan<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>sconfiando das suas<br />
intenções, recebeu-o principescamente, hospedando-o em seu palácio com<br />
magnificência régia.<br />
3. No texto <strong>de</strong> base do jornal Minas Gerais está eterna. Parece-nos que etérea seria mais do uso <strong>de</strong> Edgard<br />
Matta.