guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
guimarães rosa - Academia Mineira de Letras
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Corpo <strong>de</strong> Baile: <strong>de</strong> Miguilim a Miguel ___________________________________ Carmen Schnei<strong>de</strong>r Guimarães 51<br />
cursos <strong>de</strong> água, com o encanto dos buritis alinhados em filas <strong>de</strong> ver<strong>de</strong> e vida.<br />
Os buritis <strong>de</strong> seus encantos.<br />
O autor <strong>de</strong> Corpo <strong>de</strong> Baile alerta para o título do livro, afirmando que é<br />
apenas “simbólico, justificado numa epígrafe <strong>de</strong> Plotino, e pelo motivo da<br />
dança, reiterado como uma constante. “Corpo <strong>de</strong> Baile são narrações sertanejas<br />
<strong>de</strong> temática universal, com extraordinária pulsação <strong>de</strong> vida, enredos inéditos,<br />
empolgantes, e novas revelações sobre a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossos trabalhadores da<br />
gleba”, acentua.<br />
Guimarães Rosa costumava afirmar que esse livro servia como uma<br />
preparação para Gran<strong>de</strong> Sertão: Veredas, que viria a seguir, meses após o<br />
lançamento <strong>de</strong> Corpo <strong>de</strong> Baile. Com ele, sedimentava-se o território, <strong>de</strong>marcava-se<br />
alegoricamente o universo <strong>de</strong> sua linguagem, no que saboreava-se o<br />
viver em universo <strong>de</strong> sertão áspero, e ao mesmo tempo, lúdico. O escritor não<br />
se preocupava tanto com o enredo, com a tessitura do argumento, com a estória<br />
em si. Por vezes, invadia a narrativa e centrava-se como figurante, cuidando<br />
mais da forma e da psicologia do personagem e realçando a analogia íntima <strong>de</strong><br />
sua linguagem com as criaturas do texto. Ele se servia do dizer rosiano e<br />
congregava ambiência, riqueza material <strong>de</strong> forma e beleza, a poesia e os laivos<br />
filosóficos, para expressar o seu pessoal “em-ser”, o seu “estar”, no envolvimento<br />
sertanejo.<br />
Tomaremos o caminho dos campos gerais, no nor<strong>de</strong>ste mineiro. Será<br />
apenas uma leitura linear, nuamente apresentada, na epi<strong>de</strong>rme <strong>de</strong> uma verificação<br />
não crítica, <strong>de</strong> Corpo <strong>de</strong> Baile.<br />
A primeira novela, Campo Geral, com a extraordinária narrativa que o<br />
autor faz <strong>de</strong> um pequeno personagem, uma obra-prima da ficção sertaneja,<br />
Miguilim, oferece traços biográficos do escritor, ao tempo em que sua pouca<br />
vista lhe tolhia a visão material das coisas e dos seres, mas lhe proporcionava<br />
um universo filosófico <strong>de</strong> muita riqueza. A saga sofredora <strong>de</strong> uma criança pura,<br />
sensível, inocente, com instigantes questões a respeito da vivência calcada na<br />
malda<strong>de</strong> e bruteza da vida. O menino do conto não aceitava os rigores da lida<br />
<strong>de</strong> criaturas que compunham sua faina cotidiana. Questionava-se a respeito da<br />
violência dos adultos, da opressão do forte sobre o fraco in<strong>de</strong>feso, mesmo <strong>de</strong><br />
animais domésticos ou rurais. A covardia que se praticara contra a cachorrinha<br />
Pingo-<strong>de</strong>-Ouro, o tatu sangrado para que o seu sangue escorresse por cima do<br />
corpo doente <strong>de</strong>le próprio, e lhe <strong>de</strong>sse saú<strong>de</strong>, e a imposição truculenta do pátrio<br />
po<strong>de</strong>r. Pai mandava, <strong>de</strong>smandava, batia, quase tirando o viço da criança. Seu<br />
Aristeu era aquele que ensinava, sem saber, um caminho novo para os pensamentos<br />
do pequeno, com a criação <strong>de</strong> estórias; um conhecedor da saú<strong>de</strong> e da